Observatório Econômico Mercado sem risco?

Publicado em: 20/06/2016 08:00 Atualizado em: 19/06/2016 16:19

Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE

 (Tiago Lubambo/Divulgação)
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE
Por Fernando Dias (*)

É justamente através destas interações de mercado que a humanidade conseguiu ao longo do tempo gerar riqueza que, bem ou mal distribuída, criou condições para a melhoria do padrão de vida da população.

Em tempos de transição entre duas agendas negativas que rondam o Planalto e onde até o presente não há certeza nem sobre qual grupo se consolidará, e nem se a agenda de agendas negativas permanecerá na ordem do dia, chama a atenção o perpetuo questionamento sobre a possibilidade de privatizações e, de forma mais geral, sobre o papel do mercado na economia.

Poucos duvidam que no Brasil vivemos em uma economia de mercado, porém o conceito do que vem a ser a economia sempre parece envolto em nuvens de mistério para a maioria da população. Afinal o que é este tal mercado? Quem o comanda? Nos manuais de economia se ensina que o mercado é tão somente a interação entre os indivíduos realizando trocas de forma espontânea e, modernamente, intermediando estas trocas através do uso de moeda. Ou seja, o mercado somos nós mesmos. Quem o comanda? Ninguém, ele oscila de acordo com nossas escolhas diárias de consumo e produção.

É justamente através destas interações de mercado que a humanidade conseguiu ao longo do tempo gerar riqueza que, bem ou mal distribuída, criou condições para a melhoria do padrão de vida da população. Em termos históricos foi justamente quando a moderna economia de mercado pôde se desenvolver mais livremente que a sociedade humana auferiu mais ganhos embora, saliente-se, ainda que estes possam ser melhor distribuídos.

E porque então toda esta restrição ao mercado? Afinal qual o problema de você privatizar empresas públicas? Existem diversos argumentos, inclusive na teoria econômica, que apoiam que há no espaço de produção lugar para o Estado, ainda que em setores restritos, porém estrategicamente importantes (educação, saúde, defesa, etc.). Nos demais casos não há, do ponto de vista econômico, nenhum entrave. Eis que entra a questão do risco, ou dito de outro jeito, quem arca com o ônus de algo dar errado.

No Brasil esta questão de quem fica com o risco vai muito além da questão da privatização. De fato, historicamente, o Estado brasileiro sinalizou mesmo aos empresários sua disposição em arcar com riscos privados e deu seu maior exemplo disso com a cafeicultura, fim do séc. XIX e início do séc. XX, no que pode ter sido a maior e mais onerosa defesa estatal de um setor privado da história econômica mundial. Outros exemplos são fáceis de obter como, por exemplo, nas décadas de subsídios fiscais para as empresas virem para o Nordeste, na política de juros negativos da malfadada “nova matriz-econômica” e na combinação FIES-PROUNI para as instituições privadas de ensino superior. Sem entrar no mérito destas, e de muitas outras ações de política pública, o fato é que o Estado brasileiro sempre procurou dirimir risco de mercado também para os empresários.

Assim uma possível explicação para tamanha restrição popular à privatização de qualquer coisa pode ser simples, enquanto pública existe a certeza do acesso ao serviço, ainda que de péssima qualidade, mas enquanto privada existe a incerteza de acesso ao mesmo ainda que pequena. Ora, pensa o cidadão comum: se até os empresários tem seus riscos arcados pelo Estado porque eu devo me expor a eles?

De fato, é um trabalho difícil defender o empreendedorismo no Brasil em um contexto onde há argumentos que apontam para uma regra onde o Estado é quem arca com o risco, e ainda mais quando se defende de ambos os lados (capital e trabalho) que isto é o correto. Em um diferente contexto, as repúblicas socialistas mostraram que sem empreendedorismo e sem possibilidade de acumulação se perde o bonde do crescimento, e em um mesmo contexto as economias em desenvolvimento vem mostrando que capitalismo de estado só funciona em livro-texto. Infelizmente o apego a este segundo o vem mantendo vivo e serelepe em várias economias, inclusive na nossa.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.


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