Serviço público Por falhas na legislação, sonho de virar servidor acaba na Justiça Só o Ministério Público Federal tem 116 ações contra órgãos da União. No DF e em Tocantins, são 226. Cadastro reserva e terceirização estão na mira

Por: CorreioWeb

Publicado em: 02/05/2016 08:51 Atualizado em:

Aprovada em 2012 em certame da Caixa, Gerrana Campos ainda espera pela nomeação. Foto: Rodrigo Nunes/Esp. CB
Aprovada em 2012 em certame da Caixa, Gerrana Campos ainda espera pela nomeação. Foto: Rodrigo Nunes/Esp. CB

As irregularidades em nomeações de aprovados em concursos assombram os que se empenham em garantir uma vaga no serviço público. Só o Ministério Público Federal (MPF) tem em andamento 116 investigações sobre suspeitas de fraudes e ilegalidades em processos seletivos realizados pelo governo federal, incluindo os poderes Legislativo e Judiciário. Os processos relativos a empresas estatais e instituições locais somam 226, sob alçada do Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal e no Tocantins.

Os temas dominantes nas investigações englobam denúncias sobre terceirização em empresas estatais, concursos para a formação de cadastro reserva e descumprimento das cotas raciais e para pessoas com deficiência. Muitas vezes, as normas que deveriam garantir a lisura das seleções têm falhas que acabam frustrando quem investe tempo e dinheiro para alcançar um emprego público.

“Já passou da hora de termos uma legislação para regulamentar os concursos. A falta de regras claras permite que a administração pública, sob o pretexto de sua discricionariedade, cometa abusos contra quem concorre aos cargos”, argumenta Max Kolbe, membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da seção do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF).

A necessidade de regular os certames federais já era percebida em 2003, quando uma proposta de “lei geral dos concursos” foi apresentada à Câmara dos Deputados. Após 10 anos, o texto foi anexado ao Projeto de Lei 6.004/2013, que, em outubro de 2013, foi colocado em regime de prioridade de tramitação, mas ainda está à espera de votação. “É lamentável que ela esteja há tanto tempo parada no Congresso. Ela regulamenta vários pontos de extrema relevância”, aponta o Diretor da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), Marco Antônio Araújo.

No Distrito Federal, lei aprovada pela Câmara Legislativa e sancionada pelo então governador Agnelo Queiroz, em 2012, estabeleceu um prazo mínimo de três meses entre a publicação do edital e a aplicação das provas; a obrigação de contratação dos aprovados dentro do prazo de validade da seleção; e a proibição de aplicação de testes de mais de um concurso no mesmo dia. Kolbe, porém, diz que as regras não são seguidas. “Temos uma lei que não é aplicada na prática. Os juízes fingem que ela não existe”, critica.

Frustração
Segundo o representante da OAB, concursos destinados à formação de cadastro reserva ferem a Constituição. Ele explica que não cabe ao administrador criar regras que restrinjam direitos assegurados em lei. “Seria necessário uma legislação nova para regulamentar a criação desses cadastros. Isso não pode ser instituído por um edital”, afirma.

Aprovada em concurso da Caixa Econômica Federal em 2014, e desempregada, Gerrana Campos, 39 anos, espera até hoje pela nomeação. “É desesperador, triste e frustrante”, lamenta. “Há pessoas passando por situações bem complicadas por causa disso. Alguns aprovados se demitiram dos empregos. Ninguém imagina que vai esperar um ou dois anos para ser chamado”, relata.

O concurso  foi suspenso pela Justiça do Trabalho do DF. O banco foi proibido de realizar certames com o objetivo exclusivo de formar cadastro reserva, ou que não explicitem no edital a real demanda de funcionários. A seleção se destinava a preencher cargos de técnico bancário, médico do trabalho e engenheiros agrônomo, civil, elétrico e mecânico.

A Caixa esclareceu que o concurso foi realizado sem obrigatoriedade de aproveitamento de todos os candidatos. Informou ainda que a convocação dos aprovados é realizada de acordo com a disponibilidade orçamentária e as necessidades estratégicas da instituição e está condicionada ao surgimento de vagas durante o período de validade do concurso.

Desrespeito à lei é comum
Prática recorrente em órgãos públicos, a terceirização também é alvo de processos. “A regra de admissão pública é o concurso. Há exceções previstas em lei para cargos comissionados, bem como para funções de limpeza, manutenção predial, transporte, copa. Além disso, pode haver contratos para preencher necessidade temporária de excepcional interesse público”, explica o procurador do Ministério Público do Trabalho Joaquim Rodrigues Nascimento.

A lei estabelece, porém, que, as atividades-fim, ou seja, que representam finalidade principal do órgão, e as previstas em plano de cargo e salários, não podem ser ocupadas por funcionários terceirizados. Mas, a inexistência de uma regulamentação que defina atividade-fim dificulta a discussão sobre terceirização em empresas públicas.

Numa das ações em andamento, o Banco do Brasil é acusado de ter contratado terceirizados dentro do prazo de validade do concurso para escriturário, em 2013. Os aprovados na seleção ainda aguardam a nomeação no cadastro de reserva. A instituição diz que a acusação é improcedente e que o preenchimento dos cargos se dá rigorosamente de acordo com a classificação dos aprovados no certame.

Cotas
A assistente administrativa Thais Regina, 33 anos, passou nos concursos da Caixa e da CEB em 2014, mas teve seu sonho de ser funcionária pública frustrado. “Até hoje, não fui chamada para nenhum”, lamenta. “Todos sabem como é difícil passar em concurso público. A gente estuda, abdica do tempo com a família e os amigos para, depois, não ser convocada. É frustrante.” Por ser cadeirante, ela entrou na cota para pessoas com deficiência (PCD) nos dois concursos, como cadastro reserva.

Em ação contra a Caixa, o MPT-DF cobrou o cumprimento da Lei 8.213/91, que reserva 5% das vagas para pessoas com deficiência. A empresa informou que tem no quadro apenas 1,42% de PCDs, mas que o percentual de reserva de vagas nos editais atende às disposições legais. E explica que as convocações acontecem de forma alternada e proporcional, iniciando pelos candidatos da lista de pessoas com deficiência. É convocado um candidato com deficiência para cada 19 candidatos não deficientes.

A Lei 12.990/2014 determina que 20% do total de vagas de concursos públicos de órgãos da União sejam destinadas a pretos e pardos. O enquadramento dos cotistas é feito com base em autodeclaração, o que gera polêmica. São constantes as denúncias de fraude contra falsos cotistas.

O diretor-executivo da ONG Educafro, Frei David Santos, diz que o problema é grave e acontece em certames de todo o país. “Acreditávamos que a autodeclaração seria suficiente, mas, quanto mais alto o salário e o cargo, mais fraudes existem. As pessoas viram na lei um instrumento fácil para gerar corrupção”, afirma. A ONG propõe a criação de comissões de verificação para coibir as irregularidades.


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