Observatório econômico Não vai ter golpe

Publicado em: 02/05/2016 08:00 Atualizado em: 29/04/2016 21:39

Por Marcelo Eduardo Alves da Silva (*)

Marcelo Eduardo Alves da Silva é professor de Economia da UFPE. Foto: Paulo Paiva/DP
Marcelo Eduardo Alves da Silva é professor de Economia da UFPE. Foto: Paulo Paiva/DP
As recentes tentativas de alguns estados de trocar a fórmula de cálculo dos juros das dívidas estaduais junto à União são uma tentativa de empurrar para outros a conta da irresponsabilidade fiscal dos governantes. Ou seja, é golpe!!!


A Lei 9.496/97 de 1997 fez com que a União assumisse cerca de R$ 102 bilhões de dívidas dos estados, sendo R$ 77,5 bilhões refinanciados pelo prazo de 30 anos, a uma taxa de juros real mínima de 6% a.a. O valor assumido correspondia a algo em torno de 11% do PIB da época e, portanto, não se tratava de um valor trivial. Isto foi necessário para evitar que o crescimento explosivo das dívidas estaduais colocassem em risco a estabilidade macroeconômica, alcançada a duras penas. A lei, é claro, introduziu uma série de limites sobre a dívida financeira, o resultado primário, e particularmente as despesas de pessoal, mas nem sempre os governantes tiveram a devida atenção.

Ninguém tem dúvidas de que o quadro atual não está nem tranquilo, nem favorável para os Estados, mas também não está para a União. Administrar receitas e despesas num cenário de bonança é fácil, o difícil é fechar as contas em tempos de vacas magras. Daí a necessidade de impor limites sobre o comportamento dos governantes, que em tempos de vacas gordas são tentados a implementar medidas populistas, que são claramente insustentáveis no longo prazo e que cedo ou tarde implicarão na necessidade de ajuste. O problema é que quando a fatura chega, ninguém quer pagar a conta.

Quando diferentes grupos percebem a possibilidade de transferir o ônus para outros, cada um prefere esperar a ação dos demais. A literatura mostra que essa disputa só acaba quando finalmente alguém desiste e decide pagar a conta. E aqui reside a estratégia dos Estados, esperam pela “desistência” da União. O fato é que os Estados precisam assumir o ônus do ajuste, não a União. Muitos se aproveitaram do tempo de bonança para aumentar despesas com pessoal e no cenário atual isto se transformou num problema real. Dados do Ministério da Fazenda mostram que as despesas estaduais com pessoal passaram de 4,85% do PIB em 2009 para 5,83% do PIB em 2015. O Rio de Janeiro foi recordista com crescimento total de 146,62% e médio de 16,24% a.a. Logo em seguida aparece o Estado de Santa Catarina, cujas taxas foram de 139,56% no período e 15,67% a.a., em média.

Com salários nominais rígidos para baixo e a quase impossibilidade ou indisposição de reduzir pessoal, só mágica fará com que os Estados fechem as contas. E a torcida é que a mágica aconteça no STF se este declarar que juros simples ao invés de compostos devam incidir sobre as dívidas estaduais. O problema desta mágica é que ela irá transferir para a União os custos da brincadeira fiscal dos Estados. Quem se beneficiará? Certamente os Estados com maior dívida, mas quem pagará a conta? A União, certo? Errado! A União não tem dinheiro, somos nós que financiamos o governo e seremos nós que pagaremos a conta do ajuste de uma forma ou de outra. Acho que está na hora de dizermos ao STF: não vai ter golpe!

(*) Professor de Economia da UFPE.

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