Impasse Greve de peritos do INSS impõe calvário Segurados da Previdência só conseguem marcar consultas para o início do próximo ano

Por: Correio Braziliense

Publicado em: 19/10/2015 10:50 Atualizado em:

Enfrentar uma doença incapacitante é uma das piores coisas que podem acontecer com uma pessoa. Se, além disso, ela passa a ter dificuldade pagar as contas, vê seu o nome sujo por inadimplência e passa a enfrentar até mesmo falta de comida à mesa, pode-se dizer que sua vida virou um inferno. É o que está acontecendo com milhares de contribuintes do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cujos peritos estão em greve desde o início do mês passado.

A atendente de telemarketing Sandra Rezende, 37 anos, afastada do serviço por hérnia na coluna, está há 10 meses sem receber o pagamento do auxílio-doença. Na sexta-feira, Sandra, que não consegue caminhar, foi com o marido ao posto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de Taguatinga.

Ela chegou às 7h e enfrentou fila de 80 pessoas no guichê de triagem antes de esperar para ser atendida pela única médica que estava trabalhando naquela manhã. O posto deveria contar com 13 peritos, mas quatro estão afastados por licença médica. Os outros oito estão de braços cruzados.

No começo do ano passado, Sandra foi considerada inapta, passou por cirurgias, teve que entrar em licença. Seis meses depois, o INSS decidiu que ela estava em condições de trabalhar. Os médicos da empresa discordaram. O jeito foi recorrer à Defensoria Pública. Depois de passar por exames com peritos da Justiça do Trabalho, o juiz decidiu que Sandra deveria ter novamente direito ao benefício. Mesmo assim, ela não conseguia receber o pagamento por um problema na conexão entre o sistema do INSS e o do banco. “O dinheiro fica no limbo até alguém ir lá e reclamar”, queixa-se a atendente. Foi informada que deveria ir ao perito de novo.

Conflito
Quando Sandra entrou no consultório na sexta-feira, a médica do INSS lhe disse que teria de deixar carteira de trabalho, PIS e identidade originais com ela. Sandra não tinha levado esses documentos porque, no agendamento, a orientaram a levar apenas um documento com foto e laudos médicos e exames atuais.

“Quando me recusei a deixar a minha identidade original, a médica ficou nervosa, descontrolada mesmo e começou a gritar comigo. Isso chamou a atenção do segurança que entrou na sala”, conta. “Depois disso, coloquei meu telefone na mesa e avisei que estava gravando a conversa, que durou 28 minutos. A médica mandou eu tirar a roupa para fazer o exame e ordenou ao segurança que ficasse na sala. Eu disse que não ficaria nua com ele presente. O segurança pediu várias vezes para se retirar. Ela disse, então, que não faria a avaliação física e iria indeferir o benefício. Quem é ela para querer ficar com os meus documentos originais?”, questionou, indignada.

Para não passar por processo semelhante, o técnico em informática Wesley Vieira adiou por quatro anos a cirurgia que precisava fazer no pulso, quebrado com o impacto de uma furadeira. Além das complicações, não queria ficar afastado do trabalho e ver o salário reduzido. A partir deste ano, não conseguiu mais adiar o problema: a dor aumentou muito. Com a demora, alguns ossos haviam se esfarelado. Ele precisou de um enxerto de fios de titânio para reconstruí-los. “Eu não queria entrar no INSS. Meu salário é de R$ 1,8 mil, mais R$ 550 de vale-refeição. E agora recebo só R$ 800 de auxílio-doença. Não dá. Eu e minha mulher estávamos juntando dinheiro para comprar um apartamento. Essa poupança está indo embora e junto com ele o meu sonho da casa própria”, lamenta.

O perito que deveria atender Wesley na sexta-feira não apareceu. Com isso, o benefício foi prorrogado automaticamente até 15 de dezembro, data da próxima consulta.

Ele, ao menos, está recebendo o benefício. Não é o caso da empregada doméstica Francilene Nascimento Rodrigues, de 31 anos. No posto do INSS de Ceilândia, quatro dos cinco peritos estavam trabalhando na sexta-feira, mas Francilene, com o bebê de 18 dias no colo, não foi atendida. Assim, não conseguiu a autorização para receber o auxílio-maternidade. “Agendei de novo e só vou ser atendida em 11 de fevereiro. Tentei ver se adiantavam, mas não consegui nada. Estou desesperada”, diz com lágrimas nos olhos. O marido dela está há oito meses sem trabalho, portanto não tem mais direito ao auxílio-desemprego. Além do bebê, Francilene tem mais uma filha de 2 anos. “Estou sem pagar aluguel, luz e água. Não tenho mais comida em casa e não sei o que fazer. Só conto com a ajuda de Deus mesmo”, resigna-se.

O único alívio foi a caridade da patroa. “Ela conseguiu algumas roupas e um pouco de alimento, mas não pode me dar dinheiro, porque contratou uma pessoa para o meu lugar. Não tenho como pagar as minhas contas”, lamenta.

Na agência do Setor Comercial Sul, nenhum dos 21 peritos trabalhavam na sexta-feira. Quem chegava tinha de reagendar a consulta para o ano que vem. É o caso do mecânico Paulo Roberto Marcelino. Ele enfrentou uma hora de ônibus vindo do Novo Gama, de muletas. Há 40 dias passou por uma cirurgia no Hospital de Base, para reconstruir o tornozelo, esfacelado por uma peça de caminhão. Na ativa, ele ganha R$ 2,5 mil, mais R$ 580 de vale-alimentação. Agora recebe R$ 1,2 mil do INSS. “Daqui, vou pegar o ônibus para o hospital de Base para fazer a radiografia, mas os médicos estão em greve. Acho que não vou conseguir. Não sei o que faço. Quando não é de um lado, é de outro”, reclama.

O operador de empilhadeira Wellington Gomes Barbosa, 29 anos, passava por situação parecida. Enfrentou uma hora e meia de ônibus, com a perna engessada e duas muletas. Ele quebrou o tornozelo e rompeu o ligamento em um jogo de futebol. Com dois filhos pequenos, é a única fonte de sustento estável da casa. “A minha mulher é costureira, trabalha em casa, mas a renda caiu, porque as pessoas estão dando calote”, explica. A perícia foi agendada 26 de janeiro. “Até lá, fico sem salário e sem benefício. Vim tentar adiantar. A última cesta básica dada pela empresa já acabou. Tenho que pagar R$ 540 da prestação do programa Minha Casa Minha Vida. A minha conta de luz, que era de R$ 45, passou para R$ 85. Tenho uma dívida de R$ 6 mil no cartão de crédito e já avisei à gerente que só vou pagar quando entrar dinheiro”, desabafa.

Impasse
Esse calvário está longe do fim para os brasileiros que precisam do auxílio-doença. Os servidores do INSS, antes em greve, retomaram as atividades, mas os médicos pararam em 4 de setembro. Apenas 30% do efetivo trabalham. Deixaram de ser feitos até agora 350 mil procedimentos, de acordo com a Associação Nacional dos Médios Peritos da Previdência Social (ANNP).

Há 4.378 peritos ativos, 62 no Distrito Federal. O tempo médio de espera para agendamento no Brasil já não é pequeno normalmente: 44 dias e no Distrito Federal, são 64 dias. Com a greve, mais do que dobrou.

Segundo a ANNP, são realizados 14 milhões de avaliações médicas anualmente. Os peritos reivindicam 27% de aumento salarial e a redução do trabalho de 40h para 30h. No edital do último concurso, em 2012, o salário inicial para a carreira era de R$ 12 mil.

Por meio da avaliação dos peritos, o Tesouro Nacional paga cerca de R$ 30 bilhões anuais em benefícios. Não se sabe se a conta aumentará ou ficará menor com a greve. O problema é que, enquanto algumas pessoas ficarão sem o que tem direito, outras, que receberiam benefícios por períodos curtos, só terão alta quando acabar a paralisação.

Negociação
O INSS informa que o processo de negociação com a categoria é conduzido pelo Ministério do Planejamento e que medidas administrativas estão sendo adotadas para minimizar os impactos aos segurados. O órgão orienta também que os segurados que agendaram perícia médica liguem para a Central Telefônica 135 e consultem previamente a situação do atendimento na unidade. Se necessário, poderão reagendar a consulta por telefone.

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