BOTÂNICA

Estudo revela que plantas nativas da Caatinga tem potencial para uso medicinal

Por: Aline Melo

Publicado em: 28/04/2021 19:25 | Atualizado em: 04/05/2021 00:05

Ameixa-da-caatinga (Ximenia americana) (Foto: Roberto Guerra/Flickr)
Ameixa-da-caatinga (Ximenia americana) (Foto: Roberto Guerra/Flickr)
A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, porém é um dos menos preservados no país. Apesar de ocupar 83% do território do estado de Pernambuco, a grande diversidade de espécies vegetais ainda é pouco estudada do ponto de vista científico. Na busca pela preservação desse bioma, nesta quarta-feira (28) é comemorado o Dia da Caatinga, patrimônio biológico bastante conhecido pela população que vive do bioma, mas ainda com um potencial desconhecido nos centros urbanos.

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) fez um levantamento etnobotânico de plantas medicinais em comunidades rurais localizadas na Unidade de Conservação Tatu-Bola, município de Lagoa Grande, e registrou o conhecimento da população local sobre o assunto. Na pesquisa, foram registradas 54 espécies nativas pertencentes a 23 famílias botânicas.

A vegetação do bioma é formada por plantas xerofíticas, principalmente árvores e arbustos baixos que armazenam grande volume de água, possuem poucas folhas e raízes longas para alcançar água em um nível mais profundo do solo. 

Grande parte da população que vive no bioma (91,9%) possui a agricultura como principal fonte de renda e quase metade recebe menos de um salário mínimo. Devido à baixa renda, a maioria depende dos recursos vegetais, inclusive no uso medicinal por ser mais acessível no combate a doenças. 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma planta medicinal é "todo e qualquer vegetal que possui substâncias que podem ser utilizadas com fins terapêuticos ou que sejam precursores de fármacos semi-sintéticos". Cerca de 65 a 80% da população mundial, principalmente nos países em desenvolvimento, usam plantas medicinais como único método nos cuidados primários da saúde. 

PLANTAS MEDICINAIS
Esse saber ancestral na Caatinga está bem fragilizado. Mais da metade dos entrevistados no estudo eram idosos com mais de 60 anos, sendo a maioria mulheres analfabetas, algumas com 80, 90 e 102 anos. Como essa experiência é passada por meio da oralidade de geração para geração, o pouco interesse dos jovens pode levar a perda desse conhecimento, caso não seja registrado e catalogado. "Esse saber está muito atrelado à religiosidade: são as parteiras, as curandeiras. É um saber muito frágil, a aproximação da academia para registrar é muito importante." explica a professora do Departamento de Bioquímica da UFPE, Márcia Vanusa.


O estudo identificou que as espécies locais mais usadas foram: umburana-de-cheiro (Amburana cearensis), aroeira (Myracrodruon urundeuva), umburana de-cambão (Commiphora leptophloeos), ameixeira (Ximenia americana) e pau-ferro (Libidibia ferrea var. ferrea). O chá foi a forma de uso mais indicada pelos entrevistados. O uso da umburana-de-cheiro, por exemplo, já tem eficácia comprovada  no tratamento de doenças como reumatismo, problemas cardiovasculares e neoplasias. Há também registros em que essa planta é usada no tratamento de inflamações e enfermidades associadas ao aparelho respiratório como gripe, sinusite, bronquite e tosse. 

CAUTELA
Ainda assim, é preciso ter cuidado: a umburana-de-cheiro está em alerta de “quase ameaçada de extinção’’ no Livro Vermelho da Flora do Brasil. Buscar alternativas para um uso sustentável desse recurso é a opção mais viável.

Além disso, os pesquisadores registraram também as partes mais utilizadas dessas plantas: a entrecasca (32,53%), a casca do caule (32,24%). Folhas e sementes (ambas com 9,23%), raízes (5,4%) e frutos (5,11%), também são utilizados em alguns procedimentos.

Apesar de todo o potencial dessas plantas e a busca pela certificação para uso comercial, Márcia afirma que ainda há pouco interesse público para investir: "Dentro do estado a gente não enxerga cadeias produtivas a partir desse potencial. Não temos investimento nas espécies que são nativas daqui. O investimento vai para cadeias produtivas de uva e de manga em Petrolina, que não são do bioma. Há o incentivo na produção de plantas que não são do sertão", revela a especialista.

ESTUDO
O poder medicinal das plantas foi comprovado cientificamente em laboratório nessa pesquisa coordenada pela Professora Márcia Vanusa e pelo pesquisador Edward Teixeira, também do Departamento de Bioquímica da UFPE. Pesquisadores do Núcleo de Prospecção e Conservação da Caatinga criaram um catálogo com cerca de 100 plantas da Caatinga tradicionalmente usadas pelas comunidades do sertão de Pernambuco no combate a doenças.  As informações foram coletadas por um grupo de 30 cientistas de diferentes universidades e institutos de pesquisa do país, incluindo o NBIoCaat. Foram aplicados mais de 200 questionários etnobotânicos sobre o uso das plantas em 50 comunidades tradicionais e quilombolas, localizadas nos municípios de Lagoa Grande, Santa Maria da Boa Vista, Petrolina, Buíque, Tupanatinga e Ibimirim (os três últimos no Parque Nacional do Catimbau).
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