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Desafio do desodorante: Polícia Civil investiga morte de Sarah Raíssa

A Polícia Civil investiga a morte de Sarah Raíssa, 8 anos, que teve uma parada cardiorrespiratória ao inalar aerosol para cumprir o ''desafio do desodorante'', que circula no TikTok. Especialistas cobram regulação mais rigorosa das plataformas

Publicado em: 14/04/2025 08:54

Sara Raíssa Pereira, 8 anos, foi encontrada na cama. Ao lado do corpo, um tubo de desodorante e o celular (Crédito: Reprodução/Redes sociais)
Sara Raíssa Pereira, 8 anos, foi encontrada na cama. Ao lado do corpo, um tubo de desodorante e o celular (Crédito: Reprodução/Redes sociais)

"O pai dela está completamente devastado. Foi ele quem encontrou a menina morta". O desabafo é de Maria Irina* parente de Sarah Raíssa Pereira, 8 anos, que morreu após participar do "desafio do desodorante", que circula no TikTok. A prática consiste em incentivar, por meio de vídeo, os usuários a inalarem o aerosol pelo máximo de tempo possível, provocando complicações respiratórias e cardíacas fatais.  

Apesar de não existir estatística, a trágica morte de Sarah não é um caso isolado. Em Pernambuco, Brenda Sophia Melo de Santana, de 11 anos, morreu em 11 de março. Adrielly Gonçalves, 7, morreu em São Bernardo do Campo (SP) pelo mesmo motivo, em 2018. 

No caso ocorrido no DF, a angústia dos familiares de Sara, que vivem em Ceilândia, começou na última quinta-feira. Aos prantos, Maria Irina conta que a criança estava sob os cuidados do avô enquanto os pais trabalhavam. "Ela entrou no quarto com o celular na mão. O avô pensou que ela ia dormir. Quando o pai chegou do serviço, e foi vê-la, ela estava na cama, toda roxa. Ao lado dela,  tinha uma embalagem de desodorante. O celular estava aberto e reproduzia o vídeo do desafio", completa.

Desesperada, a família pediu socorro ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Ela foi levada para a emergência do Hospital Regional de Ceilândia (HRC), onde deu entrada com um quadro de parada cardiorrespiratória. Os médicos tentaram reanimá-la por cerca de 60 minutos, mas ela não apresentou reflexos. A morte cerebral foi constatada ainda na quarta-feira. Mas o óbito foi oficialmente declarado ontem.

Os médicos tentaram reanimá-la por cerca de 60 minutos, mas ela não resistiu e morreu (Crédito: Reprodução/Redes sociais)
Os médicos tentaram reanimá-la por cerca de 60 minutos, mas ela não resistiu e morreu (Crédito: Reprodução/Redes sociais)

Sem recursos, os pais de Sara criaram uma vaquinha para custear o funeral. As doações podem ser realizadas através da chave Pix 61993086397, em nome de Maria Fabiana Pereira Brandão, mãe da menina. O velório será hoje, no Cemitério de Taguatinga, às 14h. O enterro ocorre às 16h. 

Investigação

A família da criança registrou boletim de ocorrência na 15ª Delegacia de Polícia (Ceilândia Centro). Um inquérito foi instaurado para esclarecer de que forma a criança teve acesso ao conteúdo e identificar o responsável pela  publicação na rede social. Segundo o delegado-chefe da unidade policial, João Ataliba, caso haja comprovação de dolo ou negligência grave, o autor poderá responder por homicídio duplamente qualificado — por meio que pode causar perigo comum e por ter sido praticado contra menor de 14 anos — crimes cujas penas podem chegar a 30 anos de prisão.

Comoção

O caso gerou forte repercussão nas redes sociais. Nos comentários, uma mãe relatou que a filha também foi vítima do desafio do desodorante. "Em 2023, eu a flagrei no banheiro desfalecida. Meu esposo conseguiu trazê-la de volta. Não desejo isso a ninguém", escreveu. Segundo ela, desde então, o acesso da filha à internet passou a ser rigorosamente monitorado.

A nutróloga Daniela Queiroga, de Brasília, publicou um vídeo emocionado sobre a morte de Sara. "Uma menina de 8 anos, sem nenhuma doença, (morta) por conta de uma brincadeira de muito mau gosto", disse. Ela reforçou o apelo para que pais conversem com seus filhos e denunciem conteúdos perigosos. "Fica o alerta. Esses desafios não devem ser feitos. Isso é um absurdo", disse, entre lágrimas.

Jogos perigosos para a saúde física e emocional

O que é divulgado como "brincadeira" nas redes sociais colocou a Organização Mundial da Saúde (OMS) em alerta. Desde 2019, a agência incluiu o termo Jogos Perigosos (Hazardous Gaming em inglês) na Classificação Internacional de Doenças (CID). O distúrbio refere-se a "um padrão de jogo, on-line ou off-line, que aumenta consideravelmente o risco de consequências prejudiciais à saúde física ou mental do indivíduo ou de outras pessoas ao seu redor".

No caso do desafio do desodorante, os riscos à saúde física são os mais preocupantes. As substâncias presentes nesses produtos podem provocar arritmias e interferir na troca de oxigênio nos pulmões — combinação perigosa a qual pode levar à parada cardiorrespiratória. 

A pneumologista Flávia Fonseca, secretária-geral da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) explica que o perigo aumenta, no caso de crianças, pois o sistema respiratório infantil, dependendo da idade, ainda está em desenvolvimento e não possui os mesmos mecanismos de defesa de um adulto.

"Temos dados sobre exposição a quantidade baixa e eventual de aerossol — como de quando aplicamos um desodorante, por exemplo. Esse tipo não tem efeitos significativos no organismo. Porém, em casos de crianças inalarem quantidades maiores e sobreviveram, é possível haver sequelas no futuro", alerta. Se isso acontecer, é fundamental procurar um hospital imediatamente. 

Apelo psicológico

A facilidade de reprodução e o apelo emocional são ingredientes centrais na disseminação e engajamento nos desafios perigosos nas redes sociais. Segundo a psicóloga Rosana Cibok, esses conteúdos se espalham rapidamente por apresentarem baixa complexidade, o que aumenta o número de participações. "Eles trabalham com emoções primárias, como a surpresa e a alegria em cumprir o que foi proposto, de maneira simples e espontânea", explica.

As plataformas apostam em recompensas sociais para atrair crianças e jovens, que, segundo a especialista, são naturalmente curiosos e estão desenvolvendo a capacidade crítica e o controle dos impulsos. O consumo desses vídeos pode gerar ansiedade, baixa autoestima e até distorção da realidade. "A busca por validação digital pode levar à dependência de curtidas e visualizações. Em certos contextos, colocar-se em perigo passa a parecer uma forma de aceitação social."

Para proteger as crianças e adolescentes, o especialista em tecnologia e inovação Artur Igreja afirma que há diversos recursos disponíveis para auxiliar os responsáveis. Plataformas como o YouTube Kids e sistemas operacionais de celulares oferecem perfis com controle parental. É possível restringir conteúdos, definir horários de uso e monitorar atividades, explica. 

Igreja defende, ainda, uma rotina que combine tecnologia e educação. "A combinação entre conversa e uso de filtros e ferramentas de moderação é o caminho mais eficaz", diz. Ele critica a baixa exigência das redes sociais em relação à segurança de seus usuários. "Existem soluções tecnológicas avançadas — como inteligência artificial, detecção de links e análise de voz —, mas o problema estaria na falta de vontade política e regulatória para implementar essas ferramentas de forma eficaz.

Rosana também critica a lentidão na adaptação da legislação brasileira ao ambiente digital. "Apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente garantir a proteção integral, a regulação do terreno virtual ainda é insuficiente", pontua. Para ela, as plataformas devem assumir responsabilidade ética e social, investindo em moderação humana eficaz e mecanismos ágeis de denúncia e remoção de conteúdos nocivos.
 
As informações são do Correio Braziliense. 

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