SUPREMO

Caso Diario de Pernambuco: STF vai discutir ajustes na tese da responsabilidade da imprensa por falas de entrevistados

Os recursos foram apresentados pelo Diario de Pernambuco, que é parte no processo, e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), admitida como terceira interessada

Publicado em: 07/08/2024 11:38 | Atualizado em: 07/08/2024 13:18

 (Fellipe Sampaio/SCO/STF
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Fellipe Sampaio/SCO/STF

 
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar nesta quarta-feira (7) dois embargos de declaração contra a decisão que admitiu a responsabilização civil de veículos de imprensa pela publicação de declarações de entrevistados que atribuam falsamente crimes a terceiros.

No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1075412, o STF estabeleceu que o veículo só pode ser responsabilizado se for comprovado que, na época da divulgação da informação, havia indícios concretos de que a acusação era falsa. Outro requisito exigido é a demonstração do descumprimento do dever de verificar a veracidade dos fatos e de divulgar esses indícios.

Os recursos foram apresentados pelo Diario de Pernambuco, que é parte no processo, e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), admitida como terceira interessada.
 
Entre os principais pontos, os embargos buscam aperfeiçoar a redação da tese de repercussão geral, que serve de parâmetro para que as outras instâncias da Justiça resolvam controvérsias semelhantes. A alegação é de que a redação é subjetiva e pode abrir espaço para a aplicação da tese de maneira equivocada e inconstitucional, violando a liberdade de imprensa.

Para a Abraji, seria preciso incluir uma exigência expressa de intenção ou negligência grosseira no lugar dos termos “dever de cuidado” e “indícios concretos de falsidade”. A associação também considera necessária uma ressalva que impeça a responsabilização civil de veículos de comunicação por entrevistas e debates transmitidos ao vivo, ainda que tenham sido gravados e possam ser visualizados mais tarde.

Além do aperfeiçoamento da tese, o Diario de Pernambuco quer reverter sua condenação a indenizar o ex-deputado Ricardo Zaratini por uma entrevista publicada em maio de 1995. Segundo o entrevistado, o ex-parlamentar teria sido responsável por um atentado a bomba, em 1966, no Aeroporto Internacional do Recife, que resultou em 14 feridos e na morte de duas pessoas.

O jornal alega que, quando publicou a entrevista, havia três versões para o atentado, uma delas atribuindo a autoria ao ex-deputado, e nenhum “protocolo razoável de apuração da verdade” permitiria ter certeza do acerto ou do equívoco da opinião do entrevistado. Também argumenta que soube da falsidade da acusação apenas dois meses depois, quando o Jornal do Commercio publicou reportagem que identificava fatos novos, analisava documentos e ouvia dezenas de ex-militantes. Alega, assim, que não deixou de observar os deveres de cuidado fixados pelo STF, pois não havia indícios concretos da falsidade da acusação no momento da publicação da entrevista.

O relator dos embargos é o ministro Edson Fachin, que proferiu o voto que prevaleceu no julgamento de mérito. Na ocasião, ele observou que a liberdade de imprensa e o direito à informação não são absolutos, o que autoriza a responsabilização posterior em caso de divulgação de notícias falsas.
 
Na mesma linha, votaram os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski (aposentado), Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso (presidente) e a ministra Cármen Lúcia. Ficaram vencidos o relator do RE ministro Marco Aurélio (aposentado), e a ministra Rosa Weber (aposentada).

Como se trata de um recurso contra o resultado do julgamento, os sucessores dos ministros aposentados que participaram da decisão de mérito poderão votar.
 
 
OPINIÃO
 
Leia o artigo assinado pelos advogados do Diario, Carlos Mário Velloso Filho e João Carlos Banhos Velloso:
 
O caso Diario de Pernambuco: autoria do atentado de Guararapes ainda era incerta

Encontra-se na pauta de julgamentos de hoje do Supremo Tribunal Federal (STF) o processo em que se discute a responsabilidade da imprensa por fala do entrevistado. A edição de 15/5/95 do jornal Diario de Pernambuco veiculou entrevista, com Wandenkolk Wanderley, ex-agente do regime militar, conduzida pelo jornalista Selênio Homem, ícone da imprensa pernambucana. Na décima pergunta, de um total de 18, o entrevistador indagou a respeito do atentado do aeroporto de Guararapes, ocorrido em 1966 e que tinha como alvo o marechal Costa e Silva, então "candidato" à sucessão de Castello Branco na Presidência. Especificamente, foi perguntado se Wanderley acreditaria na versão, divulgada anteriormente por Paulo Cavalcanti, de que grupo do próprio Exército planejara o atentado. O entrevistado respondeu que não e que o responsável teria sido o então ativista Ricardo Zarattini Filho.

Em razão desse trecho da entrevista, Zarattini processou o jornal. O processo subiu até o Supremo, que, por maioria, considerou devida a indenização. Isso sob o entendimento de que, à época da divulgação, já se tinha certeza da falsidade da acusação (RE 1.075.412/PE, Redator para acórdão ministro Edson Fachin - Tema 995 da Repercussão Geral). Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Rosa Weber.

No entanto, em embargos de declaração ainda pendentes de julgamento, o Diário de Pernambuco (TJ/PE) demonstrou que o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco teve como certo o fato de que, à data da divulgação da entrevista, ainda não se tinha certeza da inocência de Zarattini. É verdade que o juiz de primeiro grau dissera o contrário. Mas, como se sabe, a moldura fática a ser considerada no julgamento do recurso especial e do recurso extraordinário é a do Tribunal de Justiça, não a da sentença reformada em segunda instância.

Demonstrou-se, ainda, nos declaratórios, que a versão fática delineada pelo TJ/PE é a correta. O fator decisivo para o esclarecimento do atentado foi a edição de 23/7/95 do Jornal do Commercio (dois meses após a entrevista de Wanderley). Essa reportagem, que tinha como manchete "Atentado à bomba no Guararapes tem nova versão 29 anos depois", veiculou ampla investigação sobre o episódio e concluiu, a partir de "documentos inéditos de ex-dirigentes", que "Ricardo Zarattini e Edinaldo Miranda estavam certos".

Na própria biografia autorizada de Zarattini (Zarattini: a paixão revolucionária, Ed. Ícone, 2006, p. 76), por ele próprio prefaciada, afirma-se que a matéria do Jornal do Commercio - "uma das melhores peças do jornalismo investigativo brasileiro" - foi "decisiva para esclarecer a verdade do atentado".

Da mesma forma, a edição de 23/7/1995 do Jornal do Commercio reconhece que, "pela primeira vez", foi possível obter "pistas que podem chegar aos verdadeiros autores do atentado". E que "até agora (isto é, 23/7/1995), dois ex-militantes do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), os engenheiros Ricardo Zarattini Filho e Edinaldo Miranda, eram os únicos acusados formais de jogar a bomba". E termina o Jornal do Commercio: "reforçada por depoimentos inéditos de ex-dirigentes da própria AP, a reportagem leva a uma conclusão: Ricardo Zarattini e Edinaldo Miranda estavam certos" (p. 6).

Isso significa que o primeiro trabalho conclusivo a respeito do atentado e da inocência de Zarattini não existia à época da publicação da entrevista pelo Diário de Pernambuco (15/5/1995). Antes de 23/7/95, não era possível saber do acerto ou do equívoco da opinião do entrevistado.

Convém deixar claro: nos dias de hoje, inexiste qualquer dúvida quanto à inocência de Ricardo Zarattini Filho, personagem da história brasileira que tem a nossa admiração. O que se defende, a partir de elementos históricos, é que, em maio de 1995, essa ainda não era a realidade.

O caso do Diário de Pernambuco, portanto, não é um caso de negligência e, muito menos, de culpa grave. Por isso, escancara um problema que está por vir, mesmo que a redação da tese de RG seja aperfeiçoada pela Corte: se até o Supremo, o próprio guardião da Constituição, viu negligência onde não havia, como será a aplicação desse precedente pelas instâncias ordinárias? No julgamento dos embargos de declaração, o Supremo terá a oportunidade de corrigir a injustiça, como também de aperfeiçoar a redação da tese em favor da liberdade de imprensa. 
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