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O mimimi e a dificuldade do homem de rever padrões

Reações à luta pelo fim dos abusos contra mulheres ficaram ainda mais claras no 8 de março

Publicado em: 09/03/2018 08:28

Parece que a dificuldade é entender o óbvio: os tempos são outros, as coisas mudaram, a tolerância diminuiu diante do novo entendimento sobre o que vem a ser abuso. Foto: fotomovimiento.org
 (Foto: fotomovimiento.org)
Parece que a dificuldade é entender o óbvio: os tempos são outros, as coisas mudaram, a tolerância diminuiu diante do novo entendimento sobre o que vem a ser abuso. Foto: fotomovimiento.org (Foto: fotomovimiento.org)


Ler textos jornalísticos na tela do computador requer paciência de Jó, porque a tarefa ficaria incompleta sem a avaliação dos comentários de internautas. E eles espantam pela pobreza, pela agressividade, pelo desconhecimento, até por limitação de vocabulário. Desde que inventaram o termo mimimi, muita gente encontrou um jeito fácil e rápido de tentar atingir quem argumenta com propriedade, descrevendo e analisando o fato, a questão, sem intenção ou expectativa nenhuma de despertar reações tão ruins. Ontem, Dia Internacional da Mulher, foi perfeito para quem não se contenta em fazer vistas grossas à necessidade de mudanças que podem (merecidamente) beneficiá-las. Abaixo, por exemplo, de um texto que chamava a atenção para pequenos gestos e comportamentos eivados de um machismo quase nunca visto assim pelo praticante, devotos do uso do mimimi por pouco não entram em êxtase ironizando a abordagem dos textos com observação do tipo “atenção, homens, a partir de agora está ‘proibido’ a famosa cantada, qualquer coisa por mais simples que seja poderá ser encarada como assédio e ‘vcs’ poderão ser presos por isso. ATT GERAÇÃO MIMIMI”. Não bastasse o português sofrível, tinha ainda a desastrosa reflexão. Parece que a dificuldade é entender o óbvio: os tempos são outros, as coisas mudaram, a tolerância diminuiu diante do novo entendimento sobre o que vem a ser abuso.

A resistência a isso é curiosa. Por que não reaprender a “paquerar”, considerando que hoje as mulheres já não suportam aquele antigo estilo de abordagem – invasivo, desrespeitoso, que não leva em consideração o desejo delas de ter a privacidade resguardada? Mas com esperneio ou não, uso ou não do mimimi, vai ser preciso entender que não há como fugir dos novos padrões, porque a luta para torná-los regra, não exceção, segue a todo vapor, mundo afora. Ontem, em mais de 170 países, incluindo o Brasil, as ruas se encheram em protesto contra a violência de gênero, o feminicídio, o silêncio, a impunidade. E por acaso a luta delas por salários iguais aos dos homens – quando têm, inclusive, maior nível de escolaridade e qualificação – seria mimimi?

As líderes políticas da Alemanha, Angela Merkel, do Reino Unido, Theresa May, e da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, responderam a isto com uma série de medidas em apoio às reivindicações do 8 de março. A chanceler alemã prometeu, para seu novo gabinete, uma “mistura interessante” de homens e mulheres, enfatizando que elas desejam assumir responsabilidade em todos os campos – nas empresas, na família e na política. A primeira-ministra May prometeu reformar a lei contra a violência doméstica, incluindo o abuso econômico entre as punições. Além disso, mais proteção às vítimas da violência de gênero e mais eficácia de polícia e tribunais na punição aos agressores. Enquanto a primeira-ministra Ardern anunciou combate duro às desigualdades salariais.

Resta concluir que o uso do mimimi não deve ir muito longe como forma de protesto contra as mudanças impostas pelos novos padrões de relacionamento com a mulher. À medida que os avanços se consolidarem, o termo deixará de ser uma bobagem para ser uma bobagem esquecida entre as tantas destinadas a negar o óbvio: um dia, não muito distante, elas vão chegar lá. Isto é, vão viver com a liberdade, o espaço e o respeito pelos quais vêm lutando há tanto tempo.
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