Moraes concentra relatoria de três ações sobre o IOF no STF; entenda
Supremo será palco de disputa entre Planalto e Congresso sobre o controle da política tributária; julgamento do IOF pode redefinir limites entre os Poderes
Publicado: 03/07/2025 às 18:47

A escolha de Moraes como relator da representação da AGU se deu para evitar decisões contraditórias, já que ele já conduzia as outras duas ações (Fellipe Sampaio/STF)
Três ações que discutem a validade dos decretos presidenciais sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) estão em análise no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Alexandre de Moraes foi confirmado na terça-feira (1º/7) como relator da ação ajuizada pela Advocacia-Geral da União (AGU), somando-se às duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) já sob sua responsabilidade, apresentadas pelo Partido Liberal (PL) e pelo Psol.
A escolha de Moraes como relator da representação da AGU se deu para evitar decisões contraditórias, já que ele já conduzia as outras duas ações. Apesar de serem sobre o mesmo tema, as três ações se contrapõem e refletem visões opostas sobre os limites da atuação do Executivo e do Legislativo em matéria tributária.
Na ação ajuizada pelo PL, o partido pede que o Supremo reconheça a inconstitucionalidade dos decretos presidenciais que alteraram as alíquotas do IOF. Já o Psol, solicita que o STF declare inconstitucional o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) aprovado pelo Congresso para sustar os efeitos das alterações no IOF propostas pelo Executivo.
Na terceira via, o governo federal, por meio da AGU, acionou o STF com uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), que pede que a Corte reconheça a constitucionalidade do Decreto 12.499/2025, editado pelo Presidente.
A especialista de direito penal Hanna Gomes avalia que o centro da controvérsia está na interpretação do artigo 49, inciso V, da Constituição. “No caso do IOF, o debate gira em torno se os decretos presidenciais exorbitaram ou não do poder regulamentar”, explica.
Segundo ela, o Congresso entendeu que houve extrapolação, mas essa conclusão é passível de revisão pelo Judiciário. “O Congresso Nacional entendeu que os decretos presidenciais sobre o IOF alteraram a alíquota de forma que extrapolou a lei que autoriza a cobrança do imposto, ou seja, entendeu que os decretos foram além do que a lei original permitia, e portanto seria inconstitucional”, afirma.
Hanna também analisa a iniciativa do PL de apresentar uma ADI. “A ADI é o instrumento jurídico adequado para questionar a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo federal ou estadual perante o STF”, diz.
A especialista destaca, ainda, que o pedido do Psol também encontra respaldo legal. “É possível considerar um PDL inconstitucional se, por exemplo, o Congresso Nacional tiver exercido sua competência de sustar atos do Executivo de forma indevida”, afirma. Para ela, a situação representa um “exercício de freios e contrapesos, onde um poder tenta fiscalizar e limitar o outro, o que é fundamental para a democracia”.
Na visão de Ilmar Muniz, professor de direito constitucional, o Congresso agiu fora de seus limites ao sustar os decretos. “O PDL aprovado pelo Congresso se baseou equivocadamente no art. 49, V, da Constituição, pois os decretos presidenciais estavam amparados por delegação legal (Lei nº 5.143/1966). Sem extrapolação do poder regulamentar, o uso do PDL configura interferência indevida na competência do Executivo”, afirma.
Ele considera que o STF deverá manter a validade dos atos do Executivo. “O STF deve julgar os três processos em conjunto e tende a reconhecer a validade dos decretos presidenciais, reafirmando os limites da atuação do Legislativo em matéria delegada”, diz.
Para os dois especialistas, a escolha do STF como árbitro do conflito entre os Poderes é apropriada. “A decisão é correta. O STF é o foro adequado para solucionar o conflito e garantir segurança jurídica. A medida evita instabilidade fiscal e assegura a prerrogativa do Executivo de regulamentar tributos conforme a lei”, avalia Muniz.
Hanna concorda. Em suas palavras, “o governo busca na mais alta Corte do país a validação de suas ações. Ao ajuizar uma ADC, o governo demonstra confiança na constitucionalidade dos seus decretos e busca uma definição definitiva e vinculante para o tema”.
O embate entre Executivo e Legislativo sobre os decretos do IOF reflete a dinâmica própria do sistema constitucional, segundo o advogado e professor de processo constitucional do IDP, Pietro Cardia Lorenzoni. Para ele, "esse embate é natural no sistema de presidencialismo de coalizão brasileiro".
Lorenzoni explica que o desenho institucional do país favorece choques entre os Poderes, que são levados ao Supremo Tribunal Federal como parte do funcionamento dos mecanismos de controle recíproco. “Em que pese provoque intenso debate e polêmicas públicas, esse é o sistema de freios e contrapesos brasileiros funcionando”, afirma.
Na avaliação do jurista, ainda que exista a possibilidade de o STF declarar a inconstitucionalidade do PDL aprovado pelo Congresso, a situação representa o “natural funcionamento do sistema jurídico-político brasileiro e os parlamentares no exercício da fiscalização do Poder Executivo — trabalhando para evitar aumento de impostos”.
Ele considera a atuação da AGU adequada e técnica. “Parece-me razoável a ação da AGU, especialmente na defesa dos interesses do Governo Federal. A Ação Declaratória de Constitucionalidade é a ação constitucional correta e o Supremo Tribunal Federal é o órgão competente para tanto”.
O julgamento das ADIs e da ADC segue o rito previsto para ações de controle concentrado no STF. Após a distribuição a um relator, são solicitadas informações aos órgãos envolvidos, além do pedido de manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) e, quando necessário, da Advocacia-Geral da União (AGU).
O relator pode decidir individualmente sobre medidas cautelares urgentes. Depois dessa etapa, o processo é liberado para julgamento e incluído em pauta pelo presidente da Corte. O julgamento exige maioria absoluta dos ministros e tem efeito vinculante. Ou seja, além de resolver os conflitos em questão, estabelece um precedente que deverá ser seguido pelo Judiciário e pela administração pública.

