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Clarice Lispector é a quintessência da literatura brasileira

Como dizia o filósofo Arthur Schopenhauer: "Os primeiros quarenta anos de vida nos dão o texto; os próximos trinta, o comentário."

Publicado: 17/12/2025 às 08:26

Clarice Lispector é um dos ícones do feminismno. Foto: Wikipedia/Reprodução/Foto: Wikipedia/Reprodução

Clarice Lispector é um dos ícones do feminismno. Foto: Wikipedia/Reprodução (Foto: Wikipedia/Reprodução)

Como dizia o filósofo Arthur Schopenhauer: “Os primeiros quarenta anos de vida nos dão o texto; os próximos trinta, o comentário.”

Diante disso, gostaria de comentar e dizer a vocês que Clarice Lispector é uma dessas raras personalidades que escapam da normalidade, de permanente inquietude intelectual, inesgotável curiosidade e extraordinária capacidade de capturar sentimentos em qualquer situação. É, sem dúvida, uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos.

Portanto, tendo a oportunidade de deixar registrados certos fatos e fotos, em O Recife de Clarice Lispector: vivências e sentimentos, porventura desconhecidos, que foram “tirados do fundo do baú”, o livro apresenta diferentes abordagens sobre a vida e a obra de Clarice Lispector, com foco no período de infância e adolescência no Recife — fase fundamental para a gênese de sua criatividade literária.

Esta obra busca realçar a vivência da autora no Recife como base de sua formação cultural e afetiva, apresentando ao público sua origem, história e passado, contextualizando sua obra dentro do panorama literário brasileiro e mundial. A produção literária de Clarice Lispector é uma verdadeira epifania, uma revelação da condição humana, que nos conduz à reflexão sobre a existência e a busca por sentido.

Apresentamos os anseios de uma adolescente que descobria o mundo: suas travessuras, o sobrado onde morou, os lugares por onde andou e estudou, o Colégio Hebreu Iídish Brasileiro — onde hoje está o Edifício Tabira, na Avenida Conde da Boa Vista, no Recife —, seus amigos Rebeca Berenstein e Félix Wolfenson, meu pai, com quem conviveu por mais de dez anos na Boa Vista (1925–1935), sua prima Vera Lispector, que morou com Clarice na Rua da Imperatriz, nº 27, seus hábitos diários, seus familiares e a comunidade judaica no Recife entre 1925 e 1935.

O dia 10 de dezembro de 2025 foi muito especial: ocorreu o lançamento do livro Clarice Lispector: Vivências e Sentimentos, no salão nobre do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), ocasião em que também comemoramos o aniversário de Clarice Lispector, que completaria 105 anos. Trata-se de um momento emblemático para refletirmos sobre sua contribuição à literatura pernambucana e brasileira, hoje reconhecida mundialmente.

No livro O Recife de Clarice, contamos com a participação de renomados escritores, biógrafos, ensaístas, historiadores e personalidades da cultura pernambucana e brasileira, aqui presentes, a quem agradecemos: Margarida Cantarelli, Márcia Bastos, Antônio Campos, Rafael Cavalcanti Lemos, Zulene Norberto, Tânia Kaufman, Rosa Ludermir, Márcia Alcoforado, Semira Adler, Rúbia Lossio, entre outros.

Clarice Lispector é conhecida por sua estrutura literária inovadora, marcada por descrições psicológicas e um estilo introspectivo que revolucionou a literatura brasileira. É a escritora em língua portuguesa mais lida no mundo, com obras traduzidas para 32 idiomas em 40 países. Clarice Lispector é a quintessência da literatura brasileira, posicionando-se no topo de nossa tradição literária.

Ao contextualizar sua obra, podemos compreender melhor sua singularidade e sua notável contribuição à literatura mundial, especialmente em textos de abordagem psicológica e filosófica, verticais, intensas e profundas. Podemos citar paralelos com Virgínia Woolf, em Orlando, pela complexidade na análise dos personagens, semelhante à de Clarice em A Hora da Estrela; com James Joyce, em Ulisses, pela exploração da linguagem com introspecção vertical, tal como Clarice em O Ovo e a Galinha; e com Franz Kafka, em A Metamorfose, ao exaltar opressão, angústia e mistério entre a vida e a morte, semelhante a Clarice em A Paixão Segundo G.H.

A epifania que Clarice Lispector nos oferece é a descoberta de que a literatura pode ser uma forma de autoconhecimento e de compreensão do mundo. Sua obra é uma jornada de descoberta e exploração da condição humana. Recebeu reconhecimento ainda em vida, como o Prêmio Jabuti, o prêmio da Academia Brasileira de Letras, entre outros, além do Título de Cidadania Brasileira, concedido em plena era Vargas, em 1942.

Para não esquecer, gostaria de afirmar que Clarice Lispector é uma das maiores frasistas do país. Uma de suas frases que mais me inspiram é: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” Outra, igualmente marcante, diz: “Criei-me no Recife. Minhas crendices foram aprendidas em Pernambuco, as comidas que mais gosto são pernambucanas.”

O Recife, portanto, pertencia à sua alma. Representou um símbolo de afeto. Dele, despediu-se com um Adeus solitário. Clarice, pessoalíssima, infinita, enigmática, eterna e eternizante, é a patrona da literatura pernambucana.

Com sua obra, Clarice Lispector nos legou um patrimônio literário inestimável, que continua a inspirar e influenciar gerações de escritores e leitores. É um testemunho de sua genialidade e de sua contribuição para a literatura mundial.

Moisés Wolfenson*

* MD, PhD, cirurgião plástico, escritor e historiador. Membro titular da Academia Pernambucana de Medicina*

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