A desumanidade criada por falta de luzes
stamos vivendo em um mundo em constante conflito — conflito entre nações e conflitos interpessoais
Sérgio Ricardo Araújo Rodrigues
Publicado: 05/12/2025 às 08:36
Estamos vivendo em um mundo em constante conflito (Foto: Freepik)
Sérgio Ricardo Araújo Rodrigues*
Estamos vivendo em um mundo em constante conflito — conflito entre nações e conflitos interpessoais. Isso me fez refletir que nos falta esse olhar no cotidiano, a capacidade de notar que somos cercados por pessoas diferentes, por mais que, muitas vezes, queiramos que sejam iguais a nós.
E assim, muitas vezes, damos opiniões precipitadas que nos remetem à desumanidade. A única maneira de respeitar o diferente é respeitando sua humanidade, respeitando-o como ser humano. Quando nos damos conta de que cada pessoa é exatamente tão humana quanto nós, impõe-se um respeito que, de outra forma, poderia facilmente desaparecer por qualquer tipo de falsa razão.
O nazismo, para conseguir apoio da população para seus objetivos genocidas, começou negando a humanidade dos judeus. Os jornais nazistas retratavam caricaturas grotescas de judeus, com enormes narizes e tranças, roubando o dinheiro do povo alemão. Aos poucos, essa desumanização chegou ao ponto em que o amigo ou colega de trabalho judeu — conhecido e certamente não correspondente àquela horrenda caricatura, existente apenas nas mentes deformadas dos nazistas — passava, ele também, a ter sua humanidade negada.
Não são poucas as histórias de judeus atacados em praça pública e espezinhados, ainda antes do início do genocídio organizado, pelos vizinhos e conhecidos. Com o sucesso do processo de desumanização, deixavam de ser o amigo ou o vizinho e se tornavam um ser subumano, um inimigo impessoal contra o qual qualquer ataque seria considerado justo. Antes do genocídio vieram as pequenas humilhações.
E como, por exemplo, os praticantes de religiões de matriz africana sofrem com tentativas ideológicas de desumanização? Neste último mês, a polícia adentrou uma escola pública que ensinava aos alunos justamente sobre esse tema. Como ouvimos histórias — falsas — horrendas sobre determinados grupos sociais.
Nos últimos tempos, pude assistir a uma minissérie magnífica que possui o título Toda Luz que Não Podemos Ver, clássico de Anthony Doerr, vencedor do Prêmio Pulitzer e considerado um dos dez melhores livros de 2014 pelo New York Times. Um romance sobre autopreservação e generosidade em meio às atrocidades de uma guerra que jamais deve ser esquecida.
Marie-Laure vive em Paris, perto do Museu de História Natural, onde seu pai é o chaveiro responsável por cuidar de milhares de fechaduras. Quando a menina fica cega, aos seis anos, o pai constrói uma maquete em miniatura do bairro onde moram para que ela seja capaz de memorizar os caminhos. Na ocupação nazista em Paris, pai e filha fogem para a cidade de Saint-Malo e levam consigo o que talvez seja o mais valioso tesouro do museu. Marie utiliza o rádio e suas ondas para guiar os aliados ao front de batalha.
Assim, devemos estar atentos ao que vemos, mas também ao que não podemos ver de imediato. Devemos resgatar nossa humanidade e questionar nossos conceitos e preconceitos formados — levando em consideração o que o autor do livro disse: “A luz mais importante de todas é aquela que não podemos ver.”
Advogado e professor universitário*