Hansen, subnotificação e estigma: uma herança secular
O Brasil, citado em 2023 como 19º colocado em acesso de qualidade ao sistema de saúde pública, segue como um dos países com o maior número de novos casos da doença, atrás apenas da Índia
Publicado: 02/12/2025 às 09:28
O Brasil, citado em 2023 como 19º colocado em acesso de qualidade ao sistema de saúde pública, segue como um dos países com o maior número de novos casos da doença, atrás apenas da Índia (Foto: freepik)
Andrea Tavares *
O Brasil, citado em 2023 como 19º colocado em acesso de qualidade ao sistema de saúde pública, segue como um dos países com o maior número de novos casos da doença, atrás apenas da Índia. Em 2024, foram registrados 22.129 casos no país, o que, todavia, nos traz o “benefício da dúvida”, quando idosos podem ter sido jovens subnotificados.
Mas que brumas escondem o desenrolar e a persistência da hanseníase em nossa sociedade, ainda com status de moléstia ligada à vulnerabilidade social? Ao retornarmos no tempo, observamos que manchetes da primeira metade do século XX referiam-se à “lepra”, em um momento de transição de políticas públicas, como a Lei Federal nº 1.045, que abordava a concessão de alta aos doentes. O isolamento compulsório em hospitais-colônia e o uso do recém-descoberto antibiótico Dapsona traziam a necessidade da percepção real da doença.
O custo da doença, as questões estruturais e o apoio da mídia e da Igreja da época mostravam que, apesar da mudança na abordagem, relatos e fotografias — como os consultados em pesquisas sobre o Maranhão, Ceará, Paraíba e Santa Catarina — revelam o cotidiano e as condições de vida das crianças e adultos internados. A realidade de abandono dos internos e das próprias instituições seria posteriormente denunciada em matérias jornalísticas de décadas futuras, com base em registros fotográficos e documentais.
Ao retroagirmos ainda mais no tempo, análises de periódicos como o cearense O Nordeste, fundado em 1922, trazem o flagelo da então “lepra” e a ameaça do convívio nas capitais como Fortaleza e Rio de Janeiro, noticiando frequentemente o drama dos “morféticos” e cobrando ações enérgicas do poder público. A tônica dessas reportagens era a necessidade de isolar os doentes para distanciá-los do contato com os sãos, pois o isolamento compulsório era considerado a única medida eficaz de profilaxia na época.
Com isso, campanhas para a construção dos chamados leprosários, conclamando a iniciativa privada e a sociedade civil, tornaram-se comuns. Jornais de São Paulo, por exemplo, relatavam as condições e o número de leprosos abrigados em hospitais da província. O Hospital dos Lázaros, em Sabará (Minas Gerais), construído em 1883, também seria um exemplo de investimento da época.
Todavia, senhoras e senhores, hoje, no século XXI, ainda somos destaque mundial em número de casos — mesmo com tecnologia diagnóstica (testes rápidos gratuitos) e tratamento eficaz (combinação de três medicamentos: Rifampicina, Dapsona e Clofazimina) na cura e prevenção de incapacidades físicas. Porém, questões como diagnóstico tardio e a pandemia da Covid-19, que afetou a detecção de novos casos, resvalam ainda na pior das heranças: preconceito, vulnerabilidade e estigma social, que, por sua vez, incidem no primordial — diagnóstico e tratamento.
Coordenadora do curso de Enfermagem do Centro Universitário UniFBV Wyden*