Mais que próstata: é hora de escutar o corpo masculino
Novembro se veste de azul e desperta uma discussão necessária sobre o câncer de próstata
Publicado: 25/11/2025 às 09:54
Novembro Azul (Foto: freepik)
Pedro Alves Oliveira *
Novembro se veste de azul e desperta uma discussão necessária sobre o câncer de próstata. É uma campanha fundamental, sim, mas incompleta. A cada ano, observo como ainda reduzimos a saúde masculina a um único exame, quando deveríamos tratá-la como um conjunto vivo de corpo, mente, comportamento e cultura. A próstata virou símbolo, mas o corpo masculino como um todo segue pedindo escuta — uma escuta que ainda não aprendemos a oferecer.
O homem, historicamente, foi educado para caber em uma armadura. Dentro dela, não deve demonstrar medo, dor ou fragilidade. Essa fabricação de masculinidade, transmitida de geração em geração, não é apenas psicológica — ela tem efeitos concretos sobre a saúde. Homens vão menos ao médico, negligenciam sinais de alerta, acreditam que suportar desconforto é virtude. E essa lógica, tão naturalizada no cotidiano, tem dimensões epidemiológicas: traduz-se em menos prevenção, mais adoecimento e mortalidade precoce.
Os dados reforçam o que vemos na prática clínica. Homens vivem menos e morrem mais cedo, muitas vezes por causas evitáveis. Não se trata de biologia — trata-se de contexto. A expectativa de vida masculina é impactada por comportamentos de risco, baixa adesão ao cuidado, violência urbana, acidentes e um sistema de saúde que nem sempre considera as especificidades de gênero. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, criada em 2009, foi um avanço ao reconhecer formalmente esse cenário, mas sua implementação ainda enfrenta obstáculos de acesso, financiamento e engajamento.
Quando falamos em saúde integral, não estamos discutindo apenas ausência de doença. Estamos discutindo a forma como o homem se relaciona consigo. Um corpo que não é escutado se torna um corpo que adoece silenciosamente. E esse silêncio, tão legitimado socialmente, é um risco de saúde pública.
A fisioterapia tem um papel estratégico nesse processo, embora nem sempre reconhecido. Nosso trabalho vai muito além da reabilitação de lesões. Envolve avaliar o corpo como sistema: postura, respiração, saúde pélvica, musculatura profunda, mobilidade, dor crônica, impacto do estresse e da rotina. A prática fisioterapêutica, quando orientada por uma visão integrativa, cria pontes entre dimensões físicas e emocionais. Muitas vezes, somos o primeiro profissional com quem o homem se sente à vontade para falar, porque o encontro clínico não é apenas técnico — é também acolhedor.
Ao ministrar disciplinas como Fisioterapia Neurofuncional, Anatomia Palpatória e Reabilitação Aquática, percebo o quanto nossos estudantes ainda chegam marcados por estereótipos do que é “coisa de homem” e “coisa de mulher”. Desconstruir essas ideias é parte do processo formativo. Sem formação sólida e interdisciplinar, não há cuidado integral possível. O fisioterapeuta que atende homens precisa compreender anatomia funcional, questões pós-cirúrgicas — como no pós-operatório de próstata —, mecanismos da dor crônica, além dos fatores psicossociais vinculados à masculinidade.
Mas, acima de tudo, precisa desenvolver escuta. Escuta clínica, humana e cultural. Acolher o homem que chega tenso, desconfiado ou envergonhado. Traduzir informações de forma acessível. Mostrar que autocuidado não é fraqueza, mas maturidade. Afinal, não há força maior do que a capacidade de reconhecer limites e buscar ajuda.
A mudança que precisamos não é apenas individual; é social. É urgente redefinir masculinidades para que cuidado e sensibilidade deixem de ser vistos como ameaça. É necessário que os serviços de saúde se adaptem, que profissionais se capacitem, que campanhas públicas se expandam para além de um mês e que a sociedade inteira aprenda a falar sobre saúde masculina sem tabus.
O Novembro Azul cumpre sua missão de alertar sobre o câncer de próstata, mas o desafio é muito maior. Precisamos transformar esse mês em porta de entrada para um diálogo amplo, contínuo e profundo sobre o corpo masculino — e tudo o que ele vem suportando sem ser ouvido.
Escutar o homem é também convidá-lo a viver mais e melhor. É tempo de trocar a armadura pela consciência. De trocar o silêncio pelo cuidado. De trocar o medo pela saúde. Porque homens que se cuidam não são menos homens — são homens mais inteiros, mais presentes e mais humanos.
Coordenador dos cursos de Saúde Funcional – EDF, Fisioterapia, Nutrição e Terapia Ocupacional
UNIFBV – Wyden