° / °
Coluna

Opinião

Artigo

Estagnação do Controle Externo Parlamentar

Uma transformação silenciosa, porém profunda, atravessa o sistema democrático brasileiro

Douglas Stravos Diniz Moreno

Publicado: 24/11/2025 às 11:02

Plenário da Alepe/Blog Dantas Barreto

Plenário da Alepe (Blog Dantas Barreto)

Douglas Stravos Diniz Moreno *

Uma transformação silenciosa, porém profunda, atravessa o sistema democrático brasileiro. Enquanto o cidadão ampliou sua capacidade de fiscalizar o Estado por meio das Ouvidorias, da Lei de Acesso à Informação (LAI) e do Código de Defesa do Usuário do Serviço Público, o controle externo político-administrativo — que deveria ser exercido de modo firme e consequente pelo Parlamento — perdeu eficácia, ritmo e prestígio.

Na prática, as ferramentas oferecidas ao cidadão têm se mostrado mais eficientes para fiscalizar o poder público do que aquelas historicamente atribuídas aos parlamentares.

Ao acionar a LAI, por exemplo, o cidadão ingressa em um sistema estruturado, com protocolo, prazos, justificativa obrigatória e responsabilização civil, penal, administrativa e até por improbidade administrativa. Já o parlamentar, quando solicita informações ao Executivo, dispõe de um mecanismo constitucional que prevê crime de responsabilidade em caso de descumprimento — uma sanção que parece, ao mesmo tempo, excessiva e ineficaz.

Não há registro de autoridade que tenha perdido o cargo por se negar a informar o Parlamento. A assimetria entre a força teórica do instrumento e sua inutilidade prática evidencia o descompasso de acesso à informação: há mais possibilidade de funcionar para o cidadão do que para o parlamentar.

O mesmo se verifica nas Indicações parlamentares, uma espécie de “reclamação dos parlamentares”. Embora tradicionais, carecem de força administrativa: não possuem prazos legais, os prazos regimentais não vinculam as autoridades destinatárias, não exigem resposta sobre qual encaminhamento foi adotado e não produzem responsabilização. Tornaram-se instrumentos de um controle meramente simbólico.

Em contraste, as reclamações dos usuários, previstas na Lei 13.460/2017, seguem rito formal, possuem protocolo, exigem resposta fundamentada, produzem rastreabilidade e podem gerar efeitos sancionatórios. O cidadão dispõe de trilhas normativas; o Parlamento incorre no risco do controle “faz de conta”.

A inversão se aprofunda com um fenômeno recente: a possibilidade de qualquer cidadão, munido de inteligência artificial, formular diagnósticos, propostas e até minutas completas de projetos de lei, intermediados pelas ouvidorias, que podem ser integralmente adotados por parlamentares ou comissões. Trata-se de uma forma moderna de iniciativa legislativa colaborativa, infinitamente mais viável que o mecanismo constitucional de iniciativa popular, cujo rito — complexo e ultrapassado — é de cumprimento praticamente impossível.

Nesse novo ambiente, as Ouvidorias Parlamentares emergem como protagonistas naturais. São elas as pontes de mediação que recebem as demandas sociais, filtram prioridades, sistematizam sugestões e convertem manifestações individuais em insumos legislativos concretos. Gratuitas, acessíveis e, desde que tecnicamente estruturadas, aproximam Parlamento e sociedade, enriquecem a agenda legislativa e revelam um campo de inovação democrática para ativar o controle externo parlamentar, preso a paradigmas antigos.

Se o controle externo parlamentar deseja recuperar seu protagonismo constitucional, precisará se reinventar. Enquanto os auditores dos Tribunais de Contas exercem o seu mister com metodologia, rito e ferramentas consolidadas, os “auditores políticos” — nossos parlamentares — permanecem com instrumentos analógicos, pouco responsivos e ineficazes. Isso explica, em grande parte, sua perda de influência e capacidade fiscalizatória.

É urgente criar mecanismos de responsabilização mais proporcionais e operacionais para pedidos de informação parlamentares — como indicadores públicos de resposta, capazes de gerar pressão reputacional e eleitoral. É igualmente indispensável estabelecer prazos legais para as Indicações, resgatando a autoridade institucional do Legislativo e fortalecendo o respeito aos seus atos.

Essa modernização é mais do que um ajuste administrativo: é um reposicionamento democrático.

Enquanto o cidadão utiliza tecnologia, plataformas digitais e inteligência artificial para participar do debate público — muitas vezes com o apoio direto das Ouvidorias —, os mecanismos de controle externo parlamentares continuam presos a modelos estagnados. Se o cidadão avançou, não é aceitável que o Parlamento permaneça estacionado.

O futuro do controle externo político-administrativo depende da capacidade do Parlamento de acompanhar a sociedade que ele representa.

* Procurador Legislativo e Ouvidor Executivo da Alepe

Mais de Opinião

Últimas

WhatsApp DP

Mais Lidas

WhatsApp DP

X