A Justiça que não dorme depois da urna
No Brasil, a eleição majoritária raramente termina quando o boletim de urna é impresso
Publicado: 17/11/2025 às 09:30
Urna eleitoral (José Cruz/Agência Brasil)
Por Delmiro Campos, advogado.
No Brasil, a eleição majoritária raramente termina quando o boletim de urna é impresso. Na Justiça Eleitoral, o ciclo costuma se prolongar para além do que o eleitor imagina. Nas cidades e nos TREs, processos e recursos continuam tramitando muito depois das disputas municipais. Às vésperas das eleições gerais de 2026, impressiona a quantidade de mandatos ainda dependentes de julgamentos capazes de alterar cenários inteiros. É como se, além do primeiro e do segundo turno, o país convivesse também com segundo ou terceiro turnos invisíveis.
No Tribunal Superior Eleitoral, dois casos ilustram esse fenômeno com nitidez. O governador Cláudio Castro, do Rio de Janeiro, já recebeu voto da relatora pela cassação, mas o julgamento foi interrompido por um pedido de vista. Em Roraima, o governador Antônio Denarium enfrenta situação semelhante: dois votos pela cassação e uma suspensão inesperada justamente quando o processo parecia prestes a se concluir. Cada movimentação processual altera expectativas políticas, redesenha conversas internas e mantém Estados inteiros em compasso de espera.
Em Alagoas, o episódio envolvendo o governador Paulo Dantas segue outro ritmo, marcado pelo silêncio. O processo está parado há mais de um ano depois que o relator reconheceu abuso de poder, mas sugeriu apenas a inelegibilidade. Desde então, nada avançou. Quando se pergunta por que, a explicação se aproxima do espírito de Chicó, personagem de “O Auto da Compadecida”: “Não sei, só sei que foi assim.” A ironia é inevitável, porque a própria demora se transformou em elemento político do Estado.
Com esses exemplos, torna-se evidente que o Brasil convive com um calendário eleitoral paralelo, um tempo que não se encerra na soma dos votos. Mandatos já proclamados continuam sob escrutínio, e decisões judiciais podem alterar destinos de cidades e Estados mesmo um ou dois anos após o pleito. É um retrato de um sistema que busca garantir lisura, mas que, ao fazê-lo, também introduz incertezas capazes de afetar estratégias, alianças e o próprio ambiente político nacional.
E nesse intervalo, onde as certezas se desfazem e as expectativas se acumulam, lembro a frase precisa de Millôr Fernandes, que traduz com perfeição o sentimento desse país que sempre espera pela próxima decisão judicial: “O desespero eu aguento. O que me apavora é essa esperança.”