No Teatro de Santa Isabel, um violino solto no ar
Durante a cerimônia de abertura das comemorações dos 200 anos de fundação do Diario de Pernambuco, no Teatro de Santa Isabel, em 3 de novembro, um detalhe para mim foi motivador, significativo
Publicado: 17/11/2025 às 09:29
Recife, PE, 03/11/2025 - FESTA DE 200 ANOS DO DIARIO DE PERNAMBUCO - Na noite desta segunda-feira(03), foi celebrado os 200 anos do Jorna Diario de Pernambuco no Teatro de Santa Isabel. (Rafael Vieira)
Marcus Prado*
Durante a cerimônia de abertura das comemorações dos 200 anos de fundação do Diario de Pernambuco, no Teatro de Santa Isabel, em 3 de novembro, um detalhe para mim foi motivador, significativo: Gizelle Dias, neta do maestro Duda, durante os instantes prévios da solenidade, a interpretar ao violino um repertório de músicas clássicas de várias épocas.
Deu para perceber, o olhar atento, a linguagem corporal da artista, como o corpo, o gestual, ao longo das execuções, os detalhes rítmicos eram um só elemento. Cada poema sinfônico era simultâneo aos impulsos do corpo, com o mesmo grau de simultaneidade. O movimento angular do corpo se manifestava nas articulações que controlavam o arco, especialmente o punho e o cotovelo, que respondiam aos gestos do corpo. O movimento de ir e vir do arco (détaché) dava-me a impressão de que era movido pelo corpo que respondia ao raio de giro. É sabido que os gestos e a linguagem corporal complementam a música, ajudando a transmitir emoções, intenções e a profundidade da interpretação. O público percebe a intensidade, a delicadeza e a energia através desses movimentos.
Veio-me à lembrança um clássico, desses que fazem parte do melhor no gênero sobre a linguagem corporal: "O Corpo Fala", de Pierre Weil, que completa este mês 50 anos de publicação e a marca de 1 milhão de exemplares. O livro tenta desvendar a comunicação não-verbal do corpo humano, primeiramente analisando os princípios subterrâneos que regem e conduzem o corpo, criando uma conexão profunda. Tolstoi argumentava que a arte é fundamentalmente a transmissão de emoções.
Estou sabendo que a Universidade de Berlim dedica trabalho de pesquisa entre os seus alunos sobre o tema "Corpos e Emoções: O Enigma dos Enigmas". O círculo começa com uma palestra do autor e filósofo Alva Noë, uma figura proeminente na Filosofia da Mente e na Ciência Cognitiva contemporâneas, professor na Universidade da Califórnia em Berkeley. O foco central do seu trabalho é a teoria da percepção e da consciência, onde ele defende uma abordagem conhecida como Enativismo. Ele examina a questão de como corpos e emoções moldam práticas artísticas.
Na arte da jovem concertista, o corpo, a emoção e o instrumento musical são fundamentalmente encarnados, como se fosse orientada por mestre Alva. São a matriz e a ferramenta. O mesmo foi dito, ao se definir como virtuose, há pouco, pela jovem violinista alemã Júlia Fischer ao chegar ao estrelato, aos 25 anos, após ganhar o Midem Classical Award, como a melhor instrumentista do ano. “Um segredo para mim é manter em perfeita forma física o meu corpo”.
Não posso avaliar se o controle climático do palco esteve adequado ao violino dessa jovem intérprete, mas no momento culminante do concerto tive a impressão de que o violino, com a sua capacidade de emitir notas perfeitas e de evocar e transmitir emoções humanas complexas, estava por sua própria magia e mistério, sem o controle e comando da sua legítima dona.
Como o violino mágico das “Danças Polovetsianas”, da ópera “O Príncipe Igor”, de Alexander Borodin. Solto no ar, com a melodia ecoando misteriosamente no meio do Teatro.
*Jornalista