Camilo José Cela, um Nobel na calçada do Diario
"Perceber longamente a aura de um lugar (...) de um edifício, significa investi-los de magia" (Walter Benjamin)
Publicado: 10/11/2025 às 09:19
Corte do bolo marca celebração dos 200 anos do Diário de Pernambuco (Foto: Francisco Silva/DP)
"Perceber longamente a aura de um lugar (...) de um edifício, significa investi-los de magia” (Walter Benjamin)
Marcus Prado*
Muitas celebridades, ao longo do tempo, estiveram na calçada do prédio secular do Diario de Pernambuco. Umas para encontro marcado, numa época em que no Recife havia tais encontros no centro da cidade, com segurança. Na mesma calçada esteve, vindo de Madrid, demorando-se, anônimo, numa certa tarde de outubro de 1982, como qualquer outro passeante, o famoso escritor Camilo José Cela (1916-2002), o espanhol mais traduzido no seu tempo depois de Cervantes, acadêmico da Real Academia Espanhola, Prêmio Príncipe de Asturias de las Letras, futuro Prêmio Nobel de Literatura (1989), e Prêmio Cervantes (1995). Sua vinda ao Recife era patrocinada pela UFPE, para uma conferência na Faculdade de Direito/Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), quando era diretor o professor Luiz Pinto Ferreira. O escritor chegou a publicar mais de 70 títulos, em gêneros que incluem o ensaio e teatro, além de ter tido obras adaptadas para o cinema. Nada impediria o famoso visitante de entrar na redação do Jornal. Ele, que foi jornalista atuante na imprensa diária do seu país, bastaria mandar dizer ao redator-chefe: "Eu estou aqui". Mas fez questão de continuar do lado de fora, de olho na arquitetura do prédio, fotografando, limitando-se a movimentos vagos, aproveitando um melhor ângulo para fotografar os detalhes arquitetônicos do prédio, que deveria ser o Museu da Imprensa de Pernambuco, mas a decisão governamental ficou apenas no papel. (Como há uma papelada de tantas esperas do que seria a Casa de Clarice Lispector). Camilo tinha o gosto de fotografar paisagens, o patrimônio histórico edificado; queria sair com uma lembrança merecedora de registro. teve uma relaçãocomafotografiamuito profícua desdeo finaldosanos40. O prédio do Diario, naquele instante, despertava nele o antigo gosto de conhecer e fotografar. Foi o escritor espanhol de sua geração mais alinhado com a arte fotográfica. Baseio-me no breve testemunho da passagem de Camilo José Cela pela calçada do DP, a olhar para as paredes frontais e laterais do prédio, que me foi repassado pelo poeta e cineasta Fernando Monteiro, cicerone de Camilo pelas ruas da capital. O assunto foi tema na minha coluna literária do DP, Livros & Autores. “O homem parecia se mover em câmera lenta, ao fotografar os revestimentos da fachada, a sua medula, seus ângulos, sua espinha dorsal, a sua estética de tradição eclética”. Se tivesse entrado na redação do jornal, seria manchete de primeira página no outro dia: "Aqui esteve o escritor amado por todas as Espanhas, traduzido em mais de 30 idiomas: Camilo José Cela". O MuseoReina Sofía (Madrid), guarda o acervo fotográfico de Camilo, onde talvez estejam as fotos feitas no Recife.
Os do DP, que restam depois das mudanças da sede do jornal para novos endereços, raramente voltam àquela calçada, tão famosa no passado como as do Café Lafayette, da Mesbla, do Cinema São Luiz, do Gemba, da Krause, da Rua Nova antes da invasão dos camelôs. (Todas eram um ponto de referência icônico na cidade, faziam parte da memória afetiva de várias gerações de pernambucanos). Não querem ver e sentir o desencanto de um prédio que chegou a ser Patrimônio Histórico de Rigorosa Preservação de Pernambuco. (Fui o relator do Parecer de Tombamento no Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Histórico de Pernambuco, na condição de conselheiro titular). Camilo José Cela, sem ser arquiteto, era daqueles que contemplavam a arquitetura com olhos interrogativos, como uma mensagem persuasiva e indubitavelmente consolatória. Há nos seus escritos muitas alusões a esse tema. Há uma universidade privada, sediada em Madrid, com seu nome, onde se realizam altos estudos sobre arquitetura e fotografia. Por fim, o Diário tinha o seu Carnaval, durante os três dias, na calçada do Jornal, animado pelos saudosos dirigentes Antônio Camelo, Gladstone Vieira Belo e Zenaide Barbosa.
*Jornalista