Como o STF impacta na vida das pessoas?
O Supremo Tribunal Federal (STF) é muitas vezes lembrado como palco de julgamentos de grande repercussão política
Publicado: 22/10/2025 às 10:00

STF Iluminado (Verde) - Em referência ao Dia Nacional da Vacinação e ao Dia do Médico. (Foto: Antonio Augusto/STF)
O Supremo Tribunal Federal (STF) é muitas vezes lembrado como palco de julgamentos de grande repercussão política. Contudo, seu impacto real vai muito além do noticiário. Trata-se de uma instituição que influencia diretamente a vida cotidiana de cada brasileiro.
A Constituição de 1988, batizada por um dos principais opositores à ditadura militar, Ulysses Guimarães, como “Constituição Cidadã”, conferiu ao STF a missão de ser o guardião do texto constitucional. Isso significa que cabe ao Tribunal assegurar que os direitos fundamentais não fiquem apenas na teoria, mas se traduzam em práticas concretas. Como ensina o filósofo político italiano, Norberto Bobbio, a história dos direitos é marcada menos pela sua proclamação e mais pela sua efetiva garantia. É exatamente esse o papel desempenhado pela Suprema Corte brasileira.
Tomemos alguns exemplos. Foi o STF que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, garantindo a milhares de casais direitos sucessórios, previdenciários e de adoção. Também foi ele quem determinou a obrigatoriedade da oferta de medicamentos de alto custo em casos de omissão estatal, salvando vidas que, sem a intervenção judicial, ficariam à margem do direito à saúde. Na seara trabalhista, suas decisões sobre terceirização e férias moldam a realidade de milhões de trabalhadores.
Do ponto de vista da Ciência Política, o STF exerce um papel de freios e contrapesos (checks and balances), expressão cunhada pelo político e filósofo francês, Montesquieu. Em tempos de tensões institucionais, a Corte atua como árbitro para evitar que os demais poderes ultrapassem seus limites constitucionais. Essa função contramajoritária, embora por vezes alvo de críticas, é fundamental para proteger minorias contra a tirania das maiorias ocasionais, como observa Robert Alexy ao tratar da força normativa dos direitos fundamentais.
Outro aspecto decisivo é a luta contra a corrupção e contra práticas que ameaçam a ordem democrática. Um STF forte é condição essencial para coibir práticas que corroem a democracia e desviam recursos públicos que deveriam ser destinados à saúde, educação e segurança. Decisões envolvendo o foro privilegiado, a transparência de processos e a responsabilização de autoridades demonstram que o Tribunal tem a capacidade de enfrentar interesses poderosos em nome da sociedade. Sem uma Corte independente e respeitada, o risco é que a impunidade se torne regra, enfraquecendo a confiança dos cidadãos nas instituições.
Um exemplo recente e emblemático desse poder inerente do STF é a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. Neste mês de setembro, a Primeira Turma do STF condenou Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão em regime inicial fechado pelos crimes de golpe de Estado, organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, grave ameaça, dano qualificado pela violência e deterioração de patrimônio tombado. Essa decisão representa não apenas uma condenação penal, mas um marco institucional: pela primeira vez na história do Brasil, um ex-presidente é punido por crimes que atacam diretamente a integridade da ordem constitucional.
É verdade que muitas decisões despertam debates intensos, especialmente em questões morais e religiosas. Mas essa tensão é própria de democracias pluralistas: como lembra o atual ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, o Supremo não é apenas um intérprete técnico, mas também um espaço de concretização de valores constitucionais. Isso exige sensibilidade para equilibrar princípios e ponderar interesses divergentes, sempre sob o horizonte da Constituição.
Assim, o STF não é uma instituição distante. Ele influencia a forma como trabalhamos, constituímos família, acessamos saúde, nos comunicamos e até como exercemos a liberdade de expressão. O cidadão pode até discordar de alguns julgados, mas não pode ignorar que a democracia brasileira depende, em grande medida, da atuação vigilante de sua Suprema Corte. Em última instância, é no STF que a Constituição ganha vida — e é nele que se resguarda o pacto fundamental que nos une como sociedade.
Advogado, CEO da AD Advocacia e professor
de ciência política e direito constitucional.

