Travessias de Fábio Steinberg
Um livro que mergulha na história dos imigrantes
Publicado: 21/10/2025 às 09:22

Com o título de "Travessias", o autor Fábio Steinberg nos oferta um belo romance tratando da epopeia dos judeus chegados Brasil no começo do século 20 (Foto: Freepik)
Jacques Ribemboim, Cadeira nº 7 da Academia Pernambucana de Letras.
Um livro que mergulha na história dos imigrantes. Dos que precisam deixar sua terra rumo ao desconhecido. Os custos de toda essa transumância não são apenas financeiros, são afetivos. Como aferir a dor da partida? A dor da saudade? De deixar uma vida inteira para trás, a infância, a família, os amigos, os costumes, a língua?
Com o título de “Travessias”, o autor Fábio Steinberg nos oferta um belo romance tratando da epopeia dos judeus chegados Brasil no começo do século 20, com foco em três personagens: as polonesas Hana e Rivka – mãe e filha – e Natan, menino pobre nascido sem pai na velha Bessarábia.
Hana é de 1896. Filha de um casal preeminente na sociedade local, o pai era um rico fabricante de chapéus e luvas, moradores de um bairro elegante de Varsóvia. Por causa do seu gênio, foi levada pela mãe a uma consulta com um certo “S.F.”, em Viena, que a diagnosticou com histeria crônica: “o ideal é que nunca se case, receio pelos problemas que trará para o futuro marido e os filhos”.
Mas Hana se casa sim. E tem a filha Rivka, a segunda personagem central do romance, que em seu diário assim se define: “sofro de miopia crônica não só dos olhos, mas também de me recusar a ver as coisas que me decepcionam. Otimista incorrigível, busco o lado bom, por mais que a vida tente me dar pauladas”.
O terceiro protagonista é Natan, nascido em uma aldeia da Moldávia, cujo pai desaparecera ao ser recrutado para o exército russo. Catando restos de comida nas feiras locais, revelar-se-á um adulto de alto compromisso moral. A travessia do Atlântico em um navio de imigrantes constitui um capítulo arrebatador.
Cada página do livro guarda uma novidade. As miudezas e os detalhes do cotidiano se misturam aos grandes acontecimentos que marcaram a História. Os personagens são quase reais, quase táteis, quase visuais, tão verossímeis que custa crer não terem existido de fato. Fábio, diga a verdade! Tio Pinchas, Seu Schmuel, a tal da Raíssa, a hipocondríaca Regina, a pensão de Dona Branca, a perninha manca de Benjamim, tudo isso foi invenção sua?
Tenho a quase certeza de que muitas das histórias do livro devem ter sido escutadas pelo autor quando criança, sentado ao colo dos pais e dos avós, eles próprios imigrantes judeus de alguma Varsóvia ou de algum velho shtetl da Transnístria. Quantas expressões não deve ter escutado em iídiche? Esta bela língua morta que ressuscita em tantos de seus parágrafos: vein der mazel bavaist zich guib im a stul – “quando a sorte aparecer em casa, ofereça-lhe uma cadeira para se sentar”.
O romance de Steinberg é daqueles que seguram o leitor. Tal como uma novela de televisão ou uma boa série da Netflix, queremos saber o que acontece no próximo capítulo. E devoramos suas quatrocentas páginas sem sentir o tempo. Lendo tudo de uma vez ou aos poucos, guardando surpresas para o dia seguinte. Ou, mesmo, abrindo aleatoriamente qualquer página para fruir de um texto delicioso. Com passagens hilárias que nos fazem sorrir e com tragédias que nos fazem chorar, o livro é um invólucro de sentimentos.
Carioca de nascimento, hoje residindo em Itu, no interior de São Paulo, o escritor faz seu dever de casa, atende ao chamado, cumpre a sua “travessia”. Que seria também sua “travessura”, contando o incontável, descrevendo o indescritível, sussurrando segredos ao mundo. Afinal, como afirma a personagem Rivka, em algum ponto do livro: “A missão é manter o fogo aceso, senão quem sonhará os nossos sonhos?”.

