Publicidade voltada a crianças no ambiente digital brasileiro
No Brasil, as crianças são reconhecidas como titulares de uma proteção especial chamada "integral"
Publicado: 08/10/2025 às 11:13

No Brasil, as crianças são reconhecidas como titulares de uma proteção especial chamada "integral" (Foto: Freepik)
No Brasil, as crianças são reconhecidas como titulares de uma proteção especial chamada "integral". Por estarem em fase de desenvolvimento, sua capacidade crítica ainda não está plenamente formada, o que as torna vulneráveis nas relações de consumo. Legalmente, elas são consideradas hipossuficientes ou hipervulneráveis, o que garante uma série de direitos e proteções para salvaguardar seu bem-estar.
Essas proteções estão refletidas na Constituição Federal e também no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelecem que é dever do Estado, da família e da sociedade garantir os direitos das crianças e adolescentes. O Art. 4º do ECA reforça que esses direitos devem ser assegurados com prioridade, a fim de proporcionar um ambiente seguro para o desenvolvimento das crianças, que privilegie o seu melhor interesse.
Do ponto de vista das relações de consumo, uma das preocupações centrais é a influência da publicidade sobre as crianças. Até os oito anos, elas não conseguem distinguir a publicidade do conteúdo de entretenimento, como programas de TV, jogos na internet ou vídeos em redes sociais. Mesmo após essa idade, até os 12 anos, a compreensão da publicidade e das relações de consumo permanece limitada. Essa falta de discernimento coloca as crianças em risco de serem manipuladas por mensagens publicitárias.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) determina que a publicidade dirigida ao público infantil não pode explorar essa deficiência de julgamento. A publicidade voltada para crianças deve ser clara e facilmente identificável, caso contrário, será considerada abusiva e ilegal. Essa legislação busca proteger a infância e garantir que as crianças não sejam induzidas a decisões de consumo sem a capacidade de compreender as implicações de suas escolhas.
O cenário digital atual, no entanto, apresenta novos desafios. O Brasil é um dos países mais influenciáveis do mundo, como apontou um estudo realizado pela plataforma CupomValido.com.br em 2022. Nesse contexto, os influenciadores digitais desempenham um papel crucial na decisão de compra. De acordo com uma pesquisa realizada pela Youpix em parceria com a Nielsen em 2025, 80% dos consumidores brasileiros já compraram produtos recomendados por influenciadores. Esse fenômeno coloca as crianças e adolescentes em uma posição ainda mais vulnerável, pois, muitas vezes, não conseguem distinguir entre uma recomendação genuína e uma estratégia de marketing, especialmente no ambiente digital.
Diante desse cenário, foi sancionada a Lei nº 15.211, de 17 de setembro de 2025, conhecida como ECA Digital, com o objetivo de reforçar a proteção das crianças e adolescentes no ambiente digital. A lei proíbe a utilização de técnicas de perfilamento para direcionamento de publicidade comercial para esse público, além de vetar o uso de tecnologias como realidade aumentada, realidade virtual e análise emocional com fins publicitários. Além disso, a legislação veda a monetização e o impulsionamento de conteúdos que retratem crianças ou adolescentes de forma erotizada ou sexualmente sugestiva.
A Lei nº 15.211 entrará em vigor em 17 de março de 2026 e se aplica a qualquer produto ou serviço de tecnologia da informação destinado ou acessível a crianças e adolescentes no Brasil, independentemente da sua origem ou localização. Essa medida visa garantir a segurança e o bem-estar das novas gerações, no contexto de um mercado digital cada vez mais influente e complexo.
A legislação brasileira, portanto, busca se adaptar para enfrentar os novos desafios impostos pelo ambiente digital, mas o sucesso dessa proteção depende também de uma fiscalização eficaz e do engajamento contínuo da sociedade para garantir que os direitos das crianças e adolescentes sejam respeitados em todas as esferas.
* Maria Wanick Sarinho é advogada do Escobar Advocacia e especialista em Privacidade, Proteção de Dados e Propriedade Intelectual

