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Doutor Salvador Lyra e os 100 Anos do Etanol no Brasil

Nesta segunda-feira, 8 de setembro de 2025, o Governo de Alagoas, o Sindaçúcar-AL e a Usina Serra Grande promoverão uma solenidade histórica para celebrar o centenário do etanol no Brasil

Fernando Farias

Publicado: 08/09/2025 às 08:18

Etanol/Freepik

Etanol (Freepik)

Nesta segunda-feira, 8 de setembro de 2025, o Governo de Alagoas, o Sindaçúcar-AL e a Usina Serra Grande promoverão uma solenidade histórica para celebrar o centenário do etanol no Brasil. A cerimônia ocorrerá em São José da Laje, no local onde, exatamente um século antes, o engenheiro químico Doutor Salvador Lyra realizou as primeiras experiências brasileiras com biocombustíveis. O momento adquire um significado ainda mais especial por ser registrado novamente pelo Diario de Pernambuco, o mesmo jornal que noticiou, em 1927, a estreia pública do chamado USGA — combustível à base de álcool, éter sulfúrico e óleo de mamona. Cem anos depois, este mesmo veículo acolhe o presente artigo, como parte da homenagem a uma trajetória que tornou o Brasil referência mundial em energia renovável.

A marca dos 100 anos remonta à primeira experiência brasileira com o uso do etanol como combustível. Esse marco histórico foi protagonizado pelo engenheiro químico Salvador Pereira de Lyra na Usina Serra Grande, localizada em São José da Laje, no estado de Alagoas. O trabalho de Salvador Lyra foi decisivo para que o Brasil, anos mais tarde, se tornasse referência mundial em bioenergia, culminando com o lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) na década de 1970.

Doutor Salvador Lyra, como era conhecido, deixou um legado de vanguarda. Filho de uma família empreendedora, tornou-se também o patriarca de uma linhagem política e empresarial de destaque. Dois de seus filhos, Carlos Benigno Pereira de Lyra Neto e João José Pereira de Lyra, representaram o estado de Alagoas no Senado Federal. Ambos, já falecidos, foram figuras importantes no desenvolvimento do setor bioenergético brasileiro. Além disso, Salvador Lyra era avô da empresária Elizabeth Anne Lyra, dando continuidade à tradição de empreendedorismo e contribuição à sociedade.

Para entender a relevância das contribuições de Salvador Lyra, é preciso revisitar sua trajetória. Nascido em 21 de outubro de 1894, na própria Usina Serra Grande, ele foi moldado por um ambiente que combinava a tradição agrícola com o desejo por inovação. Em 1918, concluiu sua formação em Engenharia Química pela Tri-State University, em Indiana, nos Estados Unidos. Curiosamente, essa mesma universidade formou seu filho Carlos Lyra na mesma área.

Durante 15 anos, Salvador Lyra viveu no exterior, onde aprimorou sua formação e absorveu o que havia de mais avançado em ciência e tecnologia da época. Poliglota, dominava fluentemente inglês, francês, italiano, alemão e espanhol. Ao retornar ao Brasil, em 1920, assumiu um papel estratégico nos negócios da família, gerindo o Diario de Pernambuco, um dos principais veículos de comunicação da época, até o falecimento de seu pai, em 1924.

Foi nesse contexto que Salvador Lyra deu início às suas experiências com biocombustíveis. Inspirado pelas necessidades de modernização do setor sucroalcooleiro e por uma visão de sustentabilidade, ele liderou a utilização do álcool produzido na Usina Serra Grande como combustível. Sua abordagem foi pioneira, criando uma solução inovadora para substituir derivados de petróleo.

Em 23 de junho de 1927, Salvador Lyra apresentou ao público o USGA, uma mistura de álcool, éter sulfúrico e óleo de mamona que funcionava como combustível para motores. O nome fazia referência à Usina Serra Grande, Alagoas. O lançamento ocorreu em frente à sede do Diário de Pernambuco, marcando o início de uma revolução no transporte local. Em pouco tempo, veículos leves e pesados começaram a circular movidos pelo USGA, principalmente nos estados de Alagoas e Pernambuco.

A inovação de Salvador Lyra não foi apenas técnica, mas também simbólica. Ele demonstrou que o Brasil tinha condições de explorar alternativas sustentáveis, em um momento em que a dependência de combustíveis fósseis dominava o cenário global. Sua visão antecipou os debates contemporâneos sobre sustentabilidade, energia limpa e independência energética.

O impacto de seu trabalho transcendeu sua época e plantou as sementes para o que mais tarde se tornaria uma política pública de alcance nacional. O Proálcool, implantado nos anos 70, consolidou o Brasil como referência mundial em biocombustíveis, promovendo o etanol como alternativa viável ao petróleo. Muitos dos princípios defendidos por Salvador Lyra se concretizaram nessa iniciativa, tornando-o uma figura fundamental na história da bioenergia.

Além de suas contribuições técnicas, Salvador Lyra era um homem de visão humanista. Ele acreditava que o conhecimento científico tinha o poder de transformar realidades sociais e econômicas, especialmente em regiões como o Nordeste brasileiro. Seu exemplo serve de inspiração para novas gerações, destacando como a ciência pode ser um motor para o desenvolvimento sustentável.

Cem anos depois de suas primeiras experiências, as ideias de Salvador Lyra seguem plenamente relevantes. Em um mundo que ainda busca respostas urgentes para as mudanças climáticas, o legado desse engenheiro químico é uma prova de que soluções criativas e sustentáveis podem surgir de qualquer lugar — inclusive de uma usina em Alagoas.

A celebração do centenário do etanol no Brasil é também uma homenagem a Salvador Lyra, um visionário que transformou uma ideia em realidade. Seu trabalho antecipou em décadas as discussões sobre energias renováveis, mostrando que o desenvolvimento tecnológico pode e deve andar de mãos dadas com a sustentabilidade ambiental.

Que a história deste grande pioneiro alagoano, Doutor Salvador Lyra, inspire o Brasil a se consolidar e ampliar sua posição como líder da transição energética mundial.

*Fernando Farias é senador da República pelo MDB de Alagoas.

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