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O Supremo Tribunal Federal, a Competência Judicial e os Limites das Medidas Cautelares e a tornozeleira

O STF como a mais alta corte do sistema judiciário está incumbido da guarda da Constituição. Sua atuação, nos casos de repercussão política e social, frequentemente suscita debates incendiados sobre seus limites, competências e o exercício de suas prerrogativas

Paulo Roberto Cannizzaro

Publicado: 04/09/2025 às 11:25

2025-07-25 - STF Iluminado em Amarelo em apoio à Campanha para reforçar as ações de vigilância, prevenção e controle das hepatites virais/Foto: Wallace Martins/STF

2025-07-25 - STF Iluminado em Amarelo em apoio à Campanha para reforçar as ações de vigilância, prevenção e controle das hepatites virais (Foto: Wallace Martins/STF)

O STF como a mais alta corte do sistema judiciário está incumbido da guarda da Constituição. Sua atuação, nos casos de repercussão política e social, frequentemente suscita debates incendiados sobre seus limites, competências e o exercício de suas prerrogativas.

A discussão se intensifica quando medidas cautelares, como tornozeleira eletrônica, são aplicadas às figuras públicas de alto escalão, como um ex-Presidente da República, gerando ponderações sobre abuso de poder e o impacto na liberdade individual e na ameaça à própria democracia. Deveria ser tema de compreensão de serenidade.

A competência do STF é clara e bem definida no figurino constitucional. Por competência, o STF julga ações de natureza constitucional: Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), Mandados de Segurança e Habeas Corpus, contra atos de autoridades de alto escalão, entre outros. No âmbito criminal, a competência do STF para julgar pessoas se dá, em grande parte, pelo instituto do foro por prerrogativa de função ("foro privilegiado").

Este não é um privilégio pessoal, mas sim uma prerrogativa do cargo, visa proteger a função pública. A corte é competente para julgar o Presidente da República, Vice-Presidente, membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado, Comandantes das Forças Armadas, Ministros do próprio STF, e o Procurador-Geral da República, entre outros, por infrações penais comuns.

Em relação aos cidadãos comuns, o STF, em regra, não possui competência originária para julgá-los. Sua jurisdição sobre indivíduos que não detêm prerrogativa de função ocorre em situações excepcionais, como: Se um cidadão comum é co-acusado de um crime com uma autoridade que possui foro por prerrogativa de função, assim o processo tende a ser integralmente julgado perante a Corte para evitar o desmembramento e garantir a unidade da prova e do julgamento, embora a jurisprudência tenha se inclinado a favor do desmembramento.

Casos que já tramitaram em instâncias inferiores podem chegar ao STF via recurso extraordinário, desde que envolvam matéria constitucional. Nesse cenário, o STF não julga o mérito da causa criminal, mas a constitucionalidade da decisão ou da norma aplicada.

No caso de ex-cargos públicos, a jurisprudência do STF tem evoluído. A regra geral é que a prerrogativa de função cessa com o término do mandato ou da ocupação do cargo, o processo deve ser remetido à instância competente de primeiro grau, com uma ressalva: se a infração penal foi praticada durante o exercício do cargo e em razão dele, admite-se a manutenção da competência do STF para aquela investigação ou processo específico, embora a tendência atual seja pela remessa.

Para um ex-Presidente da República, o debate é sensível, dada a expressão do cargo, e a interpretação varia sob o contexto e a natureza da acusação. Como todo órgão jurisdicional, ele pode determinar medidas cautelares, incluindo a prisão preventiva e suas alternativas, como o monitoramento eletrônico. Medidas, previstas no Código de Processo Penal, que visam garantir a efetividade do processo, proteger a ordem pública ou econômica, assegurar a aplicação da lei penal e a instrução criminal.

A tornozeleira, medida cautelar alternativa à prisão, restringe a liberdade de locomoção, mas não a suprime completamente. Sua aplicação deveria obedecer aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Mas é medida que só deve ser imposta se for estritamente necessária, adequada para atingir um objetivo pretendido e se seus benefícios superarem os custos para a liberdade do indivíduo.

Os requisitos para sua adoção devem envolver indícios de autoria e materialidade, (o fumus comissi delicti) e o perigo que a liberdade do indivíduo representa para o processo ou para a sociedade (periculum libertatis).

A crítica ao STF surge quando a aplicação é desproporcional, excessiva ou motivada por razões outras que não as estritamente processuais. Mas ´certo que a imposição a um ex-Chefe de Estado, é muito mais do que uma intervenção significativa a uma liberdade, mas também a imagem da nação, gera a percepção de que seu uso seja inadequado, espalhando um sentimento de abuso de poder, minando a confiança na instituição.

O STF, a última instância do Judiciário, não tem esse poder ilimitado. A percepção de abuso de poder emerge quando, apesar de todos os controles, as decisões transmitem a impressão de que essa Corte está agindo como legislador ou executivo, e se utiliza de suas prerrogativas de forma politizada ou desproporcional, subvertendo a lógica do sistema de pesos e contrapesos.

Aplicar isso contra um ex-Presidente da República transcende em muito o caso jurídico, adentrando em perigosas implicações políticas e simbólicas. Costuma ser entendida internacionalmente como um sinal de instabilidade política ou de perseguição. O impacto na credibilidade das instituições democráticas é inegável, e sempre vai gerar polarização e desconfiança.

Do ponto de vista jurídico, a questão central reside na fundamentação da medida: ela atendeu rigorosamente aos requisitos legais de necessidade e adequação? Havia risco real de fuga, reiteração delitiva ou obstrução da justiça que justificasse uma medida tão gravosa? De repente, colocou-se tornozeleira na própria sociedade de todos os cidadãos comuns.

Paulo Roberto Cannizzaro, escritor

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