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O capitão ianque da Nau Catarineta

Felipe Sampaio
Foi secretário executivo de Segurança Urbana do Recife; dirigiu o Instituto de Estudos de Defesa no Ministério da Defesa; ex-diretor do sistema de estatísticas do Ministério da Justiça; cofundador do Centro Soberania e Clima; foi empreendedor em mineração; atuou em grandes empresas e 3º setor

Diario de Pernambuco

Publicado: 29/07/2025 às 00:00

Navio-escola  identificado pelas suas velas ostentando a cruz da Ordem de Cristo.Foto: Marinha/ Divulgação/

Navio-escola identificado pelas suas velas ostentando a cruz da Ordem de Cristo.Foto: Marinha/ Divulgação ()

Ariano Suassuna teria esclarecido ao “capitão-general da Nau Catarineta” estadunidense a diferença entre governar a maior potência do planeta e tocar os negócios do pai em Nova York. A primeira lição seria de História: até na Guerra Fria foi possível haver diálogo. Havia uma linha telefônica direta entre a Casa Branca e o Kremlin, o telefone vermelho, para que os dois maiores líderes mundiais se entendessem sempre que uma crise fosse descambar para o fim do mundo (ou do mercado).

Trump não conhece História nem canja de galinha, tampouco prudência. Para dirigir uma nação com um mínimo de juízo é preciso manter um olho no para-brisa e outro no retrovisor. Simplesmente metendo o pé no acelerador, não tem air bag que ajude. Nas duas décadas seguintes à Segunda-Guerra, com os hormônios ainda à flor da pele, os vencedores viviam aos esbarrões. De um lado o Tio Sam (e seus franqueados europeus) e de outro Moscou (e sua quase amiga China).

Foi assim nos anos 1950 e 1960 – na Alemanha dividida, na Coreia, Vietnam, Oriente Médio, América do Sul e na África. No entanto, a Guerra Fria esquentou mesmo foi quando Fidel Castro tomou Havana. Após tentativas americanas desastradas para recuperar seu quintal cubano, os soviéticos aliados de Fidel reagiram com a instalação de plataformas para o lançamento de mísseis nucleares na ilha.

A crise durou 13 dias, entre ameaças e acordos trocados por Kennedy e Kruschev pelo telefone vermelho. Barrados pela marinha ianque, os navios soviéticos que traziam os mísseis deram meia volta, após JFK se comprometer a também recuar seus foguetes instalados na Turquia. Ambos sabiam que a geopolítica é uma Nau Catarineta que não aguenta ventania. Cuba sofre com o bloqueio americano e o abandono russo até hoje.

Nos últimos 80 anos Washington tem cercado seu quintal latino-americano, não hesitando, para isso, em financiar uma dezena de golpes de Estado, inclusive em democracias consideráveis como Brasil, Chile e Argentina. O problema é que o quintal americano cresceu demais mundo afora, costurado pela economia globalizada e por uma rede de organismos multilaterais – financeiros e políticos – sob a mira onipresente de um Pentágono onipotente.

Trump surge em plena desglobalização, num mundo que já não aceita se dividir entre Ocidente ou comunismo. Em tempos de inteligência artificial a dele ainda é mecânica, como naqueles pocket books de autoajuda encontrados em bancas de revista. Não consegue distinguir quem nascerá primeiro, o ovo ou a serpente... O planeta é sua galinha dos ovos de ouro (se abri-la vai tomar um susto).

Nesse cenário, o MAGA é um anacronismo. Trump acalanta a ilusão (fora de moda) de que o mundo é o quintal do seu boné, o que pode explicar sua crença de que o Brasil é seu parquinho. É bem verdade que não está errado quando vê o BRICS como um lampejo da Nova Ordem mundial. Contudo, erra quando quer expulsar os chineses da América e isolá-los nos mercados globais com ameaças, chantagem e blefes. Nesse jogo de gente grande, Trump continua um “aprendiz”. Não tem a estatura de uma Margaret Tatcher e pensa que o Brasil é as Ilhas Malvinas. O que fizer aqui vai ressoar política e economicamente nos EUA e alhures.

Impressiona que a direita da Terra da Santa Cruz embarque nessa Nau Catarineta – sem destino e sem futuro – em que restará aos navegantes entregar a alma ao diabo ou o corpo ao mar. O presidente Lula está correto em seu posicionamento firme. Afinal, como diria Ariano, “não troco meu oxente pelo ok de ninguém”.

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