Desafios em 35 anos do ECA
Aline Arroxelas
Promotora de Justiça, coordenadora do Centro de Apoio Operacional em Defesa da Infância e Juventude do Ministério Público de Pernambuco
Publicado: 10/07/2025 às 00:10

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 35 anos (Reprodução)
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completará 35 anos no próximo dia 13 de julho. Podemos olhar esse marco como a chegada a uma idade considerada simbólica, o despertar da transição para a maturidade. Ainda carrega os ventos inspirados de sua juventude visionária, mas está em ponto crítico para se encaminhar ao futuro.
Nosso Estatuto é considerado, até hoje, uma lei de vanguarda. Foi forjado no caldo histórico das normas internacionais de direitos humanos que se sucederam na segunda metade do século 20, e incorporou à legislação brasileira a doutrina da proteção integral, pactuada na Convenção dos Direitos da Criança da ONU (1989). Crianças e adolescentes passaram a ser considerados juridicamente como sujeitos de direitos e pessoas em desenvolvimento – portanto em condição especial de proteção – às quais o Estado, a família e a sociedade devem garantir máximo e saudável desenvolvimento. O ECA foi fruto de intensa mobilizac%u0327a%u0303o popular, imanente ao processo de redemocratizac%u0327a%u0303o do país. Um filho direto da Constituição Cidadã de 1988.
Há muito o que se celebrar: a lei garante direitos básicos como saúde e educação, proteção contra a exploração, legalidade nos processos de responsabilização por ato infracional e também naqueles em que há necessidade de afastamento da criança de sua família natural. Criou os conselhos tutelares e os conselhos de direitos das crianças e adolescentes. Normatizou e judicializou a adoção. Acabou com os chamados juízes de menores, com poder quase que absoluto para decidir a vida de crianças pobres e marginalizadas, e deu ao Ministério Público funções estratégicas para atuar na defesa de todos esses direitos. Pode até parecer que sempre foi assim, mas não foi, e foi o ECA que assegurou esses avanços.
Contudo, é agora que o Estatuto enfrenta seus maiores desafios. Em um mundo que muda em velocidade vertiginosa, como continuar garantindo os direitos de crianças e adolescentes? A geração hiperconectada está ansiosa e desprotegida no mundo online. Estamos assegurando a todas as crianças brasileiras o acesso a uma educação de qualidade? Estudos mostram que crianças e adolescentes são as principais vítimas de violência. Estamos acolhendo suas necessidades e garantindo que essas violências não sejam praticadas pelo próprio Estado? Estamos enfrentando o racismo estrutural no acesso à saúde, educação e segurança? As dificuldades são históricas e há muito trabalho a fazer.
A grave crise climática e ambiental agrava esse cenário. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), quase metade das crianças do mundo vivem em países com alto risco de perigos climáticos e ambientais, e 40 milhões de meninas e meninos brasileiros já estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental. Seus corpos em desenvolvimento são particularmente afetados por desastres ambientais e precisamos avançar de forma urgente em questões básicas como saúde, educação, saneamento e habitação nessa conjuntura. Estamos ouvindo o que elas têm a dizer sobre o mundo em que vivem e que herdarão de nossa geração? Em ano de COP 30 no Brasil, precisamos fazer valer as oportunidades e exigir que direitos de crianças e adolescentes sejam resguardados de forma especial, com investimentos direcionados e estratégicos.
É preciso ainda mais um alerta: nosso ECA vive sob constantes ataques e direitos que já pareciam consolidados sofrem ameaças de diversas ordens. Há real perigo de retrocessos. Nesse ponto de maturidade, o caminho parece estar em abraçarmos, enquanto sociedade, o projeto civilizatório que o ECA adotou, com olhos no amanhã. Mais do que nunca, o ECA é atual, e não uma peça de museu a ser admirada e reverenciada. Ele está vivíssimo e continua a se desenvolver, como nós, como nossas crianças e adolescentes, como uma porta aberta para um horizonte mais digno.

