Recife, cidade "pioneira" em fake news
Marcus Prado
Jornalista
Publicado: 07/07/2025 às 00:00

"Recife - cidade submersa" ( Arquivo/DP/D.A Press)
O texto de Plutarco sobre Coriolano, escrito no início do século 2, a mentira, o boato, a grande mentira do “vazamento da barragem do Tapacurá” são temas que inspiram atualidade.
Para Gaston Bachelard, sempre lembrado nos meus escritos, o fato histórico é como um elemento dinâmico que influencia e é influenciado pelo presente. Não será esquecida a peça Coriolano, de William Shakespeare, escrita no século 17, que teve como inspiração principal o texto referido de Plutarco. Márcio Coriolano teria sido, além de general de Roma, uma das muitas figuras que ajudaram a contar, em termos de lenda, a história da Roma Antiga, mas para suas conquistas engenhosas, teve que espalhar boatos estratégicos. Shakespeare explora a natureza complexa da mentira, usando-a como ferramenta para desvendar verdades mais profundas e também como fonte de conflito e tragédia. Ele demonstra como a mentira pode ser usada para manipulação e engano, e questionar a própria realidade.
Há exatos 50 anos (1975) a população do Recife teria a sua primeira experiência coletiva e alarmante do que hoje se chama fake news. Fomos “pioneiros” no Brasil nesse formato nada exemplar de falsidade noticiosa. No espaço de poucos minutos espalhou-se a noticia de que o Rio Tapacurá havia transbordado em volume inimaginado e a água invadiria a cidade em poucas horas em consequência de chuvas fortes. Não tinha como escapar, segundo vozes daquela época, a começar pelos bairros mais populosos do centro. “Nenhuma ponte histórica estaria livre de ser levada pelas correntezas, que desciam como vento forte”. O secular baobá de Ponte d’Uchoa talvez não resistisse, embora tivesse desafiado tantas vezes as águas fortes do rio, (parecia a Torre de Piza), mas nunca caíra.
Tenho para mim que um dos mais belos poemas épicos escritos no Recife, A Cidade Submersa, de Edmir Domingues, teria sido inspirado nesse fato que virou pânico na capital por algumas horas. Mais do que contar o que houve no dia que ecoava pelos quatro cantos da cidade o alerta de “Tapacurá estourou!”, o jornalista Homero Fonseca fez excelente pesquisa sobre o fato. Qualquer pessoa com mais de cinquenta anos, moradora do Recife, se lembrará disso.
O que houve na cidade teria sido uma imitação daquele 30 de outubro de 1938, em NY. Foi quando a rádio CBS (Columbia Broadcasting System) interrompeu sua programação musical para noticiar com voz de espanto uma suposta invasão de marcianos. A notícia em edição extraordinária, na verdade, era o começo de uma peça de radioteatro, que não só ajudou a CBS a bater a emissora concorrente, a NBC, como também desencadeou pânico em várias cidades americanas. A “invasão dos marcianos” durou apenas uma hora, mas marcou definitivamente a história do rádio. Dramatizando o livro de ficção científica A Guerra dos Mundos, do escritor inglês Herbert George Wells, o programa relatou a chegada de centenas de marcianos a bordo de naves extraterrestres à cidade de Grover’s Mill, no estado de Nova Jersey. Os méritos da adaptação da peça eram do então desconhecido ator e diretor de cinema Orson Welles.

