Entenda o funcionamento do esquema de venda de sentenças do STJ
Um processo que tramitou sob relatoria da ministra Nancy Andrighi no período em que Márcio José Toledo Pinto era assessor do gabinete foi analisado em detalhes pela sindicância
Publicado: 16/10/2025 às 11:19

Fachada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) demitiu, no mês passado, o servidor Márcio José Toledo Pinto, após investigação interna aberta para apurar a possível venda de decisões por assessores de ministros.
Márcio Toledo, que também é investigado pela Polícia Federal sob suspeita de ter recebido R$ 4 milhões de um lobista em troca da venda de decisões, negou, em depoimento dado ao STJ, ter cometido irregularidades, afirmando que a decisão sob suspeita foi elaborada de acordo com precedentes adotados pelo próprio tribunal.
De acordo com detalhes do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que resultou na demissão do servidor, divulgados com exclusividade pelo Estadão nesta quinta-feira (16), um processo que tramitou sob relatoria da ministra Nancy Andrighi no período em que Márcio Toledo era assessor do gabinete foi analisado em detalhes pela sindicância.
Na ocasião, em recurso movido no STJ, o deputado e atual presidente da Câmara Distrital do Distrito Federal, Wellington Luiz (MDB), pedia que lhe fosse concedido, por usucapião, a posse de um terreno pertencente a uma empresa estatal do Distrito Federal.
O caso virou alvo de investigações após um boletim de ocorrência registrado pelo advogado Rodrigo Alencastro, que afirmou ter escutado uma tentativa de venda de decisão desse processo de sua ex-mulher, a advogada Caroline Azeredo. Um telefonema de uma intermediária de Caroline oferecendo serviços para que ele ganhasse o processo foi confirmado pelo próprio Wellington Luiz, que, em depoimento à sindicância, afirmou ter recusado a proposta.
O recurso, que já havia sido negado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e pela presidência do STJ, foi então distribuído para a ministra Nancy Andrighi. Márcio Toledo, um de seus assessores, mudou o entendimento e elaborou a minuta de uma decisão favorável ao deputado, concedendo a ele a posse do terreno.
Quando recebeu a minuta, a ministra Nancy confirmou a decisão elaborada por seu assessor, sem ter conhecimento das suspeitas que envolviam o caso.
Após analisar o teor da decisão monocrática elaborada por Márcio Toledo, a sindicância do STJ chegou a conclusão de que os argumentos apresentados não se sustentavam.
“Uma leitura atenta da decisão monocrática evidencia uma contradição interna notável: o texto apresenta premissas que se anulam mutuamente para justificar o deferimento do pedido do Sr. Wellington Luiz”, diz o relatório. “O equívoco lógico é evidente: o primeiro trecho afirma que o imóvel tem uso público, o que inviabilizaria a usucapião; já o segundo ignora essa premissa para concluir que o bem seria passível de usucapião por ausência de afetação pública”.
Segundo a comissão de sindicância, houve “direcionamento intencional” dos argumentos para favorecer o pedido do deputado.
“Uma leitura atenta das teses constantes desses acórdãos evidencia que tais precedentes não respaldam a solução adotada. Neles, o entendimento consolidado é que bens de sociedade de economia mista ou empresas públicas podem, em tese, ser objeto de usucapião desde que não estejam afetados à prestação de serviço público. Ou seja, a condição essencial é justamente a inexistência de destinação pública — circunstância que, no presente caso, estava fartamente comprovada pelas instâncias inferiores”, escreveu a comissão.
Ouvidos pela sindicância, outros assessores de Nancy declararam que a decisão elaborada por Márcio Toledo fugiu do padrão adotado pelo gabinete. De acordo com eles, decisões monocráticas só são proferidas pela ministra em casos com vasta jurisprudência consolidada.
“Dessa análise, resulta evidente que houve distorção consciente do quadro fático e jurídico, de modo a criar um fundamento artificial para beneficiar o Sr. Wellington Luiz. Não por acaso, essa foi a única decisão favorável a ele em todo o histórico processual — decisão esta que se revela marcada por inconsistências internas”, disse o relatório. “Tudo indica tratar-se de ato consciente e doloso, estruturado para viabilizar o favorecimento indevido ao Sr. Wellington Luiz, em sintonia com a intermediação ilícita relatada”.
A ministra Nancy, após tomar conhecimento das suspeitas, anulou todas as decisões tomadas no caso. Em nota, ela declarou que o servidor foi afastado do seu gabinete.
“O gabinete da Ministra Nancy Andrighi registra que Márcio Toledo Pinto foi servidor concursado do STJ por 21 anos, lotado neste gabinete por pouco mais de 1 ano e, assim que os supostos fatos delitivos foram noticiados, o funcionário foi sumariamente dispensado do Gabinete. Consigna, ainda, que as minutas feitas pelo ex-servidor, no processo indicado na reportagem, foram tornadas sem efeito por esta Relatora, tendo o recurso sido julgado, de forma unânime, pelo colegiado da Terceira Turma do STJ, em pauta presencial. Frisa que os processos de responsabilização se encontram em andamento, a fim de que os fatos sejam devidamente esclarecidos e os responsáveis punidos de forma exemplar”, afirmou.
De acordo com a defesa de Márcio Toledo, não há provas de que ele tenha sido o responsável pelo vazamento de minutas ou elaboração de decisões para favorecer indevidamente alguma das partes.
A decisão favorável ao deputado Wellington Luiz, segundo a defesa, “foi tomada com base em precedentes das 3ª e 4ª turmas do STJ, que acolhem a tese de usucapião extraordinário em hipóteses similares”.
“Posteriormente, com a chegada dos memoriais do GDF, o servidor procedeu, espontaneamente, à reavaliação da decisão. Ocorreu então a retratação da decisão anterior, mediante fundamentação distinta”, acrescentou a defesa.
“A atuação do servidor, portanto, deu-se nos exatos limites de sua competência técnica, em respeito e com total ciência de Sua Excelência a ministra relatora, que assinou as decisões após recebê-las e aprová-las formalmente”, finalizou.
Com informações do Estadão.

