Filmado em plano-sequência, premiado drama chileno ‘O Castigo’ estreia no Recife
A produção é dirigida por Matías Bize a partir do roteiro de Coral Cruz
Publicado: 12/12/2025 às 15:58
Cena do filme ‘O Castigo’ (Divulgação)
Não demora para que O Castigo, que já está em cartaz no Recife, fisgue completamente o espectador. O casal Ana (Antonia Zegers) e Mateo (Néstor Cantillana) começa a história em alerta com o desaparecimento do seu filho pequeno, que se perdeu no meio de uma perigosa floresta por onde passavam de carro. A polícia é acionada, os pais do menino se embrenham no bosque (tanto juntos quanto separados) e a tensão, já instalada, cresce à medida que a noite se aproxima.
Dirigido por Matías Bize a partir do roteiro de Coral Cruz, O Castigo finalmente chega ao Brasil após mais de dois anos circulando por festivais. Desde o lançamento, o trabalho vem sendo amplamente elogiado pelo uso engenhoso da técnica do plano-sequência (longos takes que intercalam cenas sem nenhum corte).
Vários filmes emblemáticos simulam essa técnica através de efeitos de montagem ou computação gráfica, a exemplo de Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância) e 1917, mas este corajoso longa chileno executa o desafio na raça e sem truques. E o feito, do ponto de vista dramático, é o melhor possível.
Apesar de a sinopse passar a ideia de um suspense ou mistério investigativo, O Castigo é, na verdade, um drama que se dedica menos às pistas do que pode ter acontecido à criança e mais às contradições da maternidade. Antonia Zegers, em atuação poderosa, conduz a crescente dramática de angústia e desespero que toma conta da história, ao passo que a direção de fotografia ultranaturalista jamais deixa esse desenrolar ganhar contornos teatrais (a amplitude do espaço do bosque certamente é essencial nisso).
É fascinante, por exemplo, o modo como a câmera transita por espaços tão parecidos tendo como ponto de partida sempre a relação dos personagens com esse cenário. Filmes gravados na lógica do plano contínuo não raramente se tornam exercícios banais de vaidade justamente porque, nos piores casos, parecem desculpas para florear a narrativa com demonstrações de virtuosismo que não correlacionam texto e forma. O Castigo é um exemplo positivo principalmente porque consegue criar uma conexão verdadeira entre a plateia e os protagonistas que dificilmente aconteceria de outra maneira.
Em entrevista exclusiva ao Diario, o diretor, que já havia trabalhado com plano-sequência em seu longa de estreia, Sábado, revela que foram feitas sete tomadas ao todo, após um intenso processo de preparação. “Como a trama se passa ao longo de um entardecer, só podíamos fazer uma tomada por dia. Foi, sem dúvida, um grande desafio técnico filmar sem cortes, mas o mais importante para nós era servir à história. Não queríamos que fosse apenas um recurso por si só, mas que fosse a melhor maneira de criar essa experiência”, conta Matías.
O cineasta aponta ainda que a intenção principal de O Castigo é levantar questões, não necessariamente respondê-las. “Eu sinto que é muito fácil se identificar com o filme como pais e mães, mas, de certa forma, também como filhos observando eles. Existe uma pressão social grande, sobretudo na América Latina, acho, para que as mães sejam perfeitas e felizes. Mais do que uma moral da história, creio que plantamos aqui uma pergunta para a qual não temos a resposta”, afirma.
Matías prossegue demonstrando como a personagem Ana se revela o coração temático da obra e, por que não, o eixo sobre o qual a câmera gira persistentemente. "A maternidade é um tema central aqui, que abre portas para nos questionarmos sobre como nos organizamos enquanto sociedade, como tratamos os nossos filhos, nossas crianças, nossos parentes. Não é uma pergunta destinada somente para as famílias, mas, de certa forma, também para o estado", diz.
Ele conclui a entrevista destacando a excelente repercussão dessa ambiciosa e arriscada produção. "Temos tido um retorno incrível em distintas partes do mundo, tanto nos festivais quanto no circuito comercial. Ouvir os comentários e interpretações, muitas vezes bem diferentes, sobre o que quisemos dizer é, por si só, bastante gratificante para um realizador", exalta o diretor.