Feminismo e estupro

Luciana Grassano Melo
Professora de Direito da UFPE

Publicado em: 12/06/2019 03:00 Atualizado em: 12/06/2019 08:30

O feminismo é um movimento social identitário contra o poder e por reconhecimento. É uma luta social através da qual as mulheres buscam o reconhecimento do seu próprio poder sobre o seu corpo e sobre as suas escolhas. É uma reivindicação por igualdade de direitos e protagonismo social e, acima de tudo, é o entendimento de que, como mulheres, somos muito desiguais entre nós mesmas e que, portanto, esse movimento não se caracteriza como uma luta de mulheres contra homens, mas como uma reivindicação de liberdade, dignidade, humanidade e igualdade de direitos das mulheres entre si e das mulheres em relação aos homens.

Eu nunca fui vítima de estupro ou de violência sexual, mas sempre escuto com muita atenção as mulheres que publicamente afirmam haver sofrido tais males. É evidente que a empatia que tenho em relação a essas mulheres não me autoriza a enquadrá-las como vítimas que sempre têm razão, mas elas devem ser escutadas e os crimes que apontam devem ser apurados, com seriedade e rigor.

É necessário compreender que o que caracteriza o estupro é a falta do consentimento. E o consentimento é uma declaração verbalizada, é a explicitação de uma vontade pessoal. O fato de uma mulher querer transar com você não significa que ela topa e aceita tudo.

Essa é uma ideia bastante feminista, até porque é ainda comum em muitas mulheres o entendimento de que a sua função no sexo é satisfazer o homem. Já escutei vários relatos de mulheres que se acostumaram com agressões físicas porque não conheciam outra forma de aproximação sexual, e achavam que somente apanhando satisfariam os seus homens. Deve ser daí que vem a equivocada ideia de que tem mulher que gosta de apanhar. Na verdade, tem mulher que não conhece nada diferente disso.

Da mesma forma que não posso afirmar que as mulheres são sempre vítimas e que as vítimas têm sempre razão, também não posso afirmar que todos os homens são violentos e que todos os homens subjulgam as mulheres.  Mas é evidente que existem muitos homens violentos e que subjulgam as mulheres em nossa sociedade.

Eu respeito muito a fala de uma mulher num caso de alegação de estupro, porque é regra ela ser exposta e julgada. É regra a sua palavra ser desqualificada tanto nas instâncias sociais, como nas instâncias institucionais. Isso porque o machismo estrutural vai qualificar a mulher pelo seu comportamento, como se a depender de seu comportamento a mulher estivesse consentindo qualquer forma de prática sexual criminosa e abusiva.

A mulher pode usar saia curta porque acha suas pernas bonitas e quer mostrá-las. Ela pode usar vestido justo porque se sente bem com seu corpo e quer mostrá-lo. É claro que é prudente evitar esse tipo de roupa em lugares aglomerados, porque sabemos que nossa sociedade é machista. Mas é importante que se diga que a mulher não usa esse tipo de roupa porque está pedindo para levar uma dedada.

A mulher pode mandar um “nude” para um homem, e isso quer, sim, dizer que ela quer transar com ele.  Mas o limite entre o que é sexo consentido e estupro é a verbalização ou demonstração de dor ou incômodo. Quando a mulher diz que não quer aquela prática, que não aceita o sexo da forma como o homem deseja, a vontade dela deve ser o limite para a lascívia do homem. E se doer também no homem, que ele vá ao banheiro e tome uma ducha de água fria.

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