A morte que vivi

Pedro Eurico de Barros e Silva
Secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco

Publicado em: 27/05/2019 03:00 Atualizado em: 26/05/2019 22:26

Era 27 de maio de 1969, por volta das oito horas da manhã, quando recebi a devastadora notícia da morte de Padre Henrique. No auge da ditadura militar e de uma forte onda de repressão, recebi como um soco no estômago a partida prematura de um grande sacerdote da juventude na resistência e luta pela democracia. Eu e outros jovens compartilhamos, juntos, o peso de um luto arbitrário e criminoso.

Principal assessor de dom Helder Camara, bispo resistente e militante da não-violência ativa naquele momento, Padre Henrique foi condenado por sua vocação de falar aos jovens sobre os seus direitos à liberdade, à livre expressão. Não tínhamos na época nenhum espaço de manifestação ou local de discussão política, ele era nossa ponte.

Padre Henrique foi um mártir da minha geração. Seu enterro foi, seguramente, um dos momentos mais impactantes da minha juventude. Lembro-me com clareza de quando as pessoas tiraram o seu caixão do carro funerário e passaram a levá-lo. No silêncio mais ensurdecedor da minha vida, mais de dez mil pessoas caminharam da Igreja do Espinheiro até o cemitério da Várzea junto àquele que, mesmo com tão pouca idade, já era referência para tantos jovens.

Ele foi enforcado, espancado e fuzilado com um tiro na nuca dentro do campus da UFPE. Muitos sabiam quem eram os seus assassinos. O inquérito, montado de má fé pela Polícia Civil de Pernambuco e desmentido pela Comissão da Verdade, tentava levantar dúvidas sobre a conduta moral do padre. Sugeria o seu envolvimento com as drogas. Mas Padre Henrique lutava contra elas, ajudando jovens dependentes a largarem o vício.

O crime nunca prescreveu em nossas mentes. Cinquenta anos se passaram e a certeza que tenho é que a sua essência continua viva dentro de nós. O regime democrático está longe de uma soberania popular plena, que distribua justiça e combata a tortura, que seja mais igualitário para a sociedade. Mas, é inegável, combatemos um bom combate, construímos a anistia, conquistamos a redemocratização e a Constituição de 1988. Seguimos seus passos. Honramos seu nome.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.