A ciranda do deputado

Marcus Prado
Jornalista

Publicado em: 16/05/2019 03:00 Atualizado em: 16/05/2019 09:07

Convidado para assistir à cerimônia no Palácio do Campo das Princesas de assinatura da Lei que cria o Dia Estadual da Ciranda, 10 de maio, sancionada pelo governador Paulo Câmara, fui surpreendido com o discurso do deputado Waldemar Borges, autor do projeto aprovado na Assembleia Legislativa Estadual. De início, quero dizer que o parlamentar não me conhece nem sabe quem eu sou. Isto me deixa muito à vontade para extrair de sua fala um elogio e uma, talvez, grande receita para quem pretende, honestamente, contribuir para eliminar os grandes erros políticos de hoje e do passado deste país, os crimes contra o Estado e a ordem política e social. Ele disse que chegou a hora de todos seguirem o exemplo fraterno da ciranda, que precisamos todos darmos as mãos nesta hora agônica da vida brasileira. A grande Ciranda do Bem que o Brasil exige de todos, digo eu, não pode parar, porque enquanto houver corrupção neste País das Malas Pretas, dos alvarás, das concessões, do “jeitinho”; enquanto persistirem, vergonhosamente, o mal social, coletivo e do governo o povo não deve deixar de abrir o grande círculo da ciranda cívica. Uma ciranda para extirpar o câncer da evasão fiscal, da corrupção, da fraude, das gigantescas obras superfaturadas e da lavagem de dinheiro. O sigilo bancário facilita delitos financeiros e fluxos ilícitos, o que inclui práticas como a lavagem de dinheiro e evasão fiscal, além de impulsionar o mercado financeiro offshore. Uma ciranda com o foco principal no suborno. Tanto na esfera pública como no setor privado é um câncer para qualquer sistema. Uma ciranda que exija, todos de mãos dadas, o ensino compulsório no país e aumente o nível geral de educação da população. Se uma pessoa não tem acesso à educação, ela não tem condições nem de compreender e, muito menos, de fiscalizar o sistema. Uma sociedade se constrói não a partir do topo, mas a partir da base da população. Portanto, é preciso oferecer uma boa educação a todas as camadas da sociedade. A situação pode, sim, ser mudada. Desde que haja a união coletiva das mãos dadas, pois nossa manifestação, quando multiplicada, como nos passos da ciranda, poderá riscar da nação esse “carnaval” de escândalos políticos que se repetem impunemente ao longo de muitas décadas. Uma ciranda como outra muita parecida, a dos Mykonos dos gregos. A iconografia soube empregar inteligentemente a tradição da retórica greco-romana dos seus códigos gestuais. Mostra vultos humanos ao chegarem de mãos dadas na ágora, no Senado, em reuniões particulares e até nas festas públicas. Esses gestos eram de amplo conhecimento na população, e, portanto, quase todos compreendiam o seu significado, infelizmente perdido no tempo. É precisamente por isso que esse repertório gestual era usado: para reforçar e tornar ainda mais patente a noção de fraternidade que existia entre eles. Na atualidade, o símbolo das mãos dadas, usado tanto por judeus, como por islâmicos, esse gesto, apesar de parecer pequeno, diz muito, tem sido utilizado pelos defensores da paz no Oriente Médio, como uma forma de mobilização pelo fim dos conflitos, nessa região.

Infelizmente, no Brasil de hoje, apenas entre os brincantes da ciranda é que vemos as mãos dadas, como disse o deputado pernambucano. Temos a impressão de que moramos num livro de Kafka com trechos do Processo, do Castelo e da Metamorfose. Mas, é importante que as mãos estejam firmes, todos de olho no horizonte das nossas grandes esperanças e dos nossos sonhos mais almejados. Vamos, juntos, apoiar os valores altamente simbólicos e políticos da Ciranda, e festejar o seu dia agora oficializado em Pernambuco.

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