A carga tributária no Brasil é pesada para quem?

Luciana Grassano Melo
Professora de Direito da UFPE

Publicado em: 30/04/2019 03:00 Atualizado em: 30/04/2019 06:16

Recordo-me de uma conversa que tive com um colega que atua na área de direitos humanos. Quando me perguntou o que eu fazia, respondi: sou procuradora da fazenda estadual e professora de direito financeiro e tributário. Já havíamos tomado umas taças de vinho, mas a minha percepção de sua cara de “nojinho” foi confirmada pela frase exclamativa: “Sempre detestei direito financeiro e tributário!”

Possivelmente, apesar de ser um homem já maduro, afirmou que detestava direito financeiro e tributário com base em suas reminiscências dos bancos escolares. Realmente, parece difícil para jovens revolucionários, preocupados com as iniquidades sociais, de classe, de raça e de gênero gostarem de discussões positivistas sobre ocorrência ou não de fato gerador, incidência tributária, definição de base tributável, sujeição ativa e passiva, e por aí vai.

É essa, em regra, a dimensão do direito tributário que se ensina na imensa maioria das salas de aula das universidades brasileiras. Assusta, é verdade. Em especial quando associada à perspectiva de ter que lidar com números e conceitos contábeis. Mas não é sobre essa dimensão do direito tributário que pretendo falar aqui.

Não culpo o meu colega defensor dos direitos humanos por detestar direito financeiro e tributário. Mas o responsabilizo, por já em idade madura, não ter feito a reflexão da íntima relação entre o direito financeiro e tributário e a proteção aos direitos humanos.

Não consigo pensar em uma discussão séria de direitos humanos sem que se enfrente uma discussão séria sobre justiça fiscal. Não consigo pensar em uma discussão séria sobre desigualdades sociais sem que se enfrente uma discussão séria sobre justiça fiscal. Não consigo pensar em uma discussão séria sobre direitos sociais sem que se enfrente uma discussão séria sobre justiça fiscal.

E o que é uma discussão séria sobre justiça fiscal? Trata-se de saber, perante uma dada carga fiscal, como ela é partilhada entre todos. Uma discussão séria sobre justiça fiscal deve considerar também as decisões sobre a despesa pública, e a forma como o Estado vai gastar os recursos que obtém da sociedade, através da tributação. Ou seja, justiça fiscal engloba discussões sobre justiça na arrecadação tributária e justiça na efetivação da despesa pública.

Essa é a dimensão que quero chamar a atenção do direito financeiro e tributário. Porque os Estados contemporâneos são primordialmente Estados fiscais. Ou seja, são Estados financiados pela sociedade, através do recolhimento de impostos. É uma dimensão do direito tributário que não polariza o Fisco e o contribuinte, mas que coloca as discussões de justiça e política fiscal como discussões de papel de Estado, de cidadania, numa perspectiva de relação Estado – cidadão.

É essa dimensão de direito financeiro e tributário que precisa ganhar corpo e volume não apenas nas rodas acadêmicas, mas acima de tudo na sociedade que tem que se preocupar em conhecer como o Estado arrecada a sua receita e gasta a sua despesa. Para que não repita sem reflexão que a carga tributária no Brasil é pesada. É pesada, sim. Mas é pesada para quem?

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