A metáfora da presunção da inocência I

Moacir Veloso
Advogado

Publicado em: 19/04/2019 03:00 Atualizado em:

Estamos em julho de 1996. Num dos bairros periféricos do Recife, ocorreu um homicídio. Duas famílias que residiam na mesma rua se desentenderam após Paulo Sérgio, de 23 anos, matar a pauladas um cachorro pertencente a Carlos Romero, de 26 anos. Isso numa tarde de domingo, Carlos Romero, dono do Duque, um cão mestiço, foi tomar satisfações com Paulo Sérgio. Discutiram e a morte de Duque foi vingada com inúmeras facadas. Paulo Sérgio foi assassinado na frente de sua família, enquanto Carlos Romero cuidou em evadir-se. Uma semana depois, apresentou-se à Polícia, foi interrogado e liberado. O processo penal instaurado, levou mais de uma década para implementar o julgamento de Carlos Romero. Afinal, em 2010, ele foi a Júri e restou condenado a 18 anos de prisão. A família de Paulo lá estava e assistiu indignada Carlos Romero ser posto à liberdade, após seu advogado apelar da sentença em plenário. Até aí se vão 14 anos desde o homicídio, com a família de Paulo Sérgio vendo Carlos Romero, vez por outra, circulando livremente pelas ruas. Em 2012, a sentença foi confirmada em 2ª Instância. A defesa opôs embargos à decisão, e em seguida ofertou Recurso Especial para o STJ. Em dezembro do mesmo ano, Luís Henrique, o irmão mais novo de Paulo Sérgio, que contava apenas oito anos à época da tragédia, ao saltar de um ônibus no centro de Recife, deparou-se com Carlos que descia de uma Kombi; sacou de um revólver e desfechou-lhe três tiros. Carlos Romero não resistiu aos ferimentos. Luís Henrique seguiu o mesmo ritual jurídico de Paulo Sérgio. Contudo, seu processo criminal transcorreu muito mais célere, e já em 2014, foi julgado e condenado a 16 anos de reclusão. Recorreu e permaneceu em liberdade. No final de 2015, sua condenação foi confirmada em 2ª Instância. Continuou em liberdade. Ocorreu que, em 17.02.2016, o STF, em decisão histórica, decretou a obrigatoriedade da prisão dos condenados após a confirmação em segunda instância. Luís Henrique foi preso e continua até hoje. Se o mesmo tivesse ocorrido com Paulo Sérgio, provavelmente não teria sido assassinado. Agora, por razões que a própria razão desconhece, o STF cogita em rever a retrocitada decisão proferida há pouco mais de dois anos atrás. O ministro Barroso assim se manifestou, em entrevista publicada nesse Diario de Pernambuco, em 02.04.2019. Segundo ele, o STF pode perder sua legitimidade e provocar uma crise institucional, caso a Corte repetidamente não consiga corresponder aos sentimentos da sociedade. O ministro defendeu ainda já existir uma decisão definitiva e vinculante do Tribunal sobre a espécie. O julgamento em comento estava previsto para o dia 10.04.2019, mas foi adiado pelo ministro Dias Toffolli, a requerimento da OAB Nacional. Há dois cenários em perspectiva, caso a prisão em 2ª Instância seja revogada pela Corte Suprema. No primeiro, serão postos em liberdade mais de 100 mil criminosos de toda espécie; no segundo, há quem diga que o ex-presidente Lula será solto. Vamos aguardar o desenrolar dos acontecimentos.

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