Amor na literatura

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 26/03/2019 03:00 Atualizado em:

Em seu livro Os mitos do amor, Denis de Rougemont nos lembra  que na Antiguidade o amor representado por Cupido, filho de Vênus, era um pequeno deus brincalhão, com asas leves, sempre pronto a lançar flechas sobre o coração dos homens, nem sempre acertando os alvos, trocando os destinatários, causando confusões. Rougemont continua: Eros se modificou, o menino encantador e travesso se tornou um problema complexo e pesado de carregar. O que aconteceu? Ontem, na reunião quinzenal da Academia Pernambucana de Letras não tentamos buscar resposta à pergunta do escritor francês, mas nos debruçamos sobre textos literários que abordam a difícil e penosa questão do amor entre os sexos. Por que os homens vivem sempre mentindo no trato com as mulheres? pergunta Thargélia Barreto de Menezes, a poetisa filha de Tobias. Carlos Drummond de Andrade escreve que o amor, espada coruscante (!) é privilégio de maduros, pois “amor começa tarde”. Inda mais te amarei depois da morte, promete Elisabeth Barret Browning. Em muitos casos, o amor contrariado causou mortes: no Recife do século 19 várias mulheres deploraram em versos a morte de uma jovem suicida. Na Idade Média se conheciam as canções da mal casada (malmaridada na Espanha, maumariée na França), fugindo da infelicidade, como na canção atual interpretada por Serge Reggiani. Mas talvez um dos escritos mais interessantes sobre a briga dos sexos seja o Debate entre Loucura e Amor, escrito em 1555 por Louise Labé, nascida em Lyon, e chamada de la belle rebelle. Louise imagina que, chegando atrasados para uma festa dada por Júpiter a Loucura e o Amor se disputam sobre quem entraria primeiro. Trocas de palavras duras, insultos, o pequeno Cupido força a passagem, a Loucura se exalta da ousadia, enfrenta o filho de Vênus e termina por lhe furar os olhos. Cupido vai ver a mãe que, indignada, pede justiça a Júpiter e castigo para a Loucura. Segue-se um verdadeiro julgamento, mediado por Mercúrio e Apolo, acusadores e defensores das duas partes. Mostram que o amor  move as pessoas, que se ocupam de parecerem belas, bem cuidadas diante dos amados, leva-as a cantar, dançar.  A loucura  diz que está na origem de descobertas científicas, das grandes navegações que levaram homens a encontrar novas terras. Após muitas discussões, chega-se a uma conclusão. Tanto Cupido quanto Loucura tinham sido culpados da cegueira do pequeno deus. E finalmente consegue-se o veredicto final: o Amor continuará cego,  ao longo dos tempos, mas a Loucura terá de lhe servir de guia para todo o sempre. Final feliz? Duas notas antes de concluir esta crônica: a abertura da bela exposição Transparecer, desenhos e poesia, por Juliana Alves e Sonia Marques, quinta-feira próxima às 19 horas no Centro Cultural dos Correios, avenida Rio Branco. E o sucesso de Curso sobre a Memória, na APL, iniciado no dia 23 passado, com 17 palestras ministradas por acadêmicos e professores universitários, e que irá até maio, com ainda algumas vagas. Informações na Academia, telefone 3262211.

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