Editorial Medo que não cessa

Publicado em: 01/02/2019 03:00 Atualizado em: 01/02/2019 08:42

Passada uma semana da tragédia que pode se transformar na maior catástrofe do setor minerário do Brasil, a cada dia, o medo só aumenta entre a população, depois do rompimento da barragem de rejeitos de minério em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Medo da real probabilidade de novos desastres acontecerem diante da precariedade da segurança de milhares de estruturas de contenção de resíduos e água espalhadas por todas as regiões do país. Medo de não conseguirem retomar suas vidas, que tinham na bucólica localidade.

Os atingidos pelo mar de lama no distrito de Córrego do Feijão, onde já morreram pelo menos 110 pessoas e 238 continuam desaparecidas, temem pelo seu futuro, pois perderam tudo e já vislumbram a luta inglória que terão para conseguir, nos tribunais, uma justa indenização dos responsáveis por tamanha tragédia. Isso porque sabem que, até hoje, a grande maioria das vítimas do estouro da Barragem do Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, há três anos, nada recebeu devido a ações judiciais protelatórias movidas pelas empresas mineradoras. Desastre que ceifou a vida de 19 pessoas e devastou, ambiental, social e economicamente, parte da região central de Minas e todo o Vale do Rio Doce, com a lama tóxica chegando ao Oceano Atlântico, no Espírito Santo.

O medo dos moradores das regiões próximas às barragens se justifica plenamente. De acordo com levantamento da Agência Nacional das Águas (ANA), em todo o país existem 3.387 estruturas de contenção enquadradas na categoria de risco alto ou com dano potencial associado alto — desse total, 1.118 são classificadas como de alto risco de rompimento. São cerca de 3,5 milhões de brasileiros que vivem em cidades com barragens que podem se romper, sendo que muitas apresentam falhas estruturais como infiltrações, rachaduras e falta de documentação comprobatória da segurança dessas estruturas. E, por incrível que pareça, a de Brumadinho era considerada de baixo risco.

Em Minas, palco das duas últimas tragédias em zonas de mineração, causa maior apreensão e medo, atualmente, a situação da Barragem Casa de Pedra, em Congonhas, a chamada Cidade dos Profetas — lá se encontra o Santuário Bom Jesus do Matosinho, patrimônio cultural da humanidade, título concedido pela Unesco. Além da Casa de Pedra, bem maior do que a de Brumadinho e que se ergue a poucas centenas de metros das primeiras habitações da cidade, outras 23 estruturas com potencial para causar estragos encontram-se na área de mineração. Chama a atenção o fato de que empresas que exploram minério de ferro na região já foram multadas por descumprimento das normas de segurança.

A boa notícia, dada só depois da catástrofe do Córrego do Feijão, é de que a Casa de Pedra será desativada. O mesmo acontecerá com outras barragens consideradas perigosas no estado, mas tal decisão por parte das mineradoras deveria ter sido tomada há três anos, logo depois do desastre em Mariana, e não somente após a tragédia humanitária e ambiental de Brumadinho. Que os responsáveis pelas tragédias não desenvolvam suas atividades visando apenas o lucro, custe o que custar. Afinal, o ser humano e o meio ambiente estão acima dos ganhos econômicos e não podem, de forma alguma, ser ignorados.

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