Testemunhando as mudanças da fé
Ao longo dos seus 200 anos, o Diario registrou os diversos papas que assumiram e modificaram a Igreja Católica em todo mundo
Publicado: 07/11/2025 às 02:00
ARQUIVO/DP (O Papa Joao Paulo II, ao lado de Dom Hélder, acena para populares da sacada do Palacio dos Manguinhos.)
Em quase duzentos anos de história, o Diario de Pernambuco testemunhou as mudanças do mundo e da fé. Das tipografias do século 19 às redações digitais do século 21, o jornal acompanhou a sucessão de 31 papas e registrou, em suas páginas, a transformação da Igreja Católica e das formas de liderança espiritual.
De Leão 12 a Leão 14, passando por todos os outros nesse intervalo, a figura papal refletiu as tensões e esperanças de cada época, o conservadorismo do pós-Revolução Francesa, as reformas do Concílio Vaticano 2º, a simplicidade pastoral dos tempos atuais.
“A Igreja Católica nas Américas teve todo um contexto de política de colonização”, explica a historiadora Vanessa Sial, em entrevista ao Diario. “As coroas ibéricas se alinharam rapidamente ao papado, e o projeto colonial nasceu integrado ao projeto de catequese dos povos originários no Novo Mundo.”
O sistema de padroado régio, pelo qual o rei detinha autoridade sobre as nomeações e rendas eclesiásticas, fez da Igreja um braço administrativo do Estado colonial. Mesmo após a Independência, em 1822, o Império manteve o catolicismo como religião oficial. Foi apenas em 1890, com o decreto da liberdade de culto, já no governo republicano provisório, que o Brasil se tornou formalmente um Estado laico.
Desde o século 19, o Diario foi testemunha e voz das manifestações da fé católica. As páginas do jornal registraram as festividades de Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora da Conceição, Semana Santa e as romarias populares que moldaram o calendário litúrgico pernambucano.
O jornal era, ao mesmo tempo, veículo de informação oficial do bispado e espaço de diálogo entre religiosidade e sociedade. Com o avanço do século 20, e o surgimento de novas mídias, o Diario manteve-se atento às transformações do catolicismo e às tensões entre fé e modernidade.
Na década de 1970, por exemplo, as colunas do jornal acompanhavam a efervescência das mudanças trazidas pelo Concílio Vaticano 2º, evento convocado pelo então papa João 23, depois São João 23, entre 1962 e 1965, que modernizou a Igreja e propôs uma aproximação maior com o mundo contemporâneo.
“Foi uma grande atualização da Igreja, o aggiornamento, como dizia São João 23”, afirma Frei Rinaldo, pároco da Paróquia Nossa Senhora das Candeias, em Jaboatão dos Guararapes. “O Conselho Vaticano 2º foi a grande revolução do século 20. Nós ainda estamos caminhando à luz dele, procurando atender às demandas do tempo presente sem perder a fidelidade à doutrina e à tradição.”
"O Conselho Vaticano 2º foi a grande revolução do século 20.". Frei Rinaldo
VISITA
A relação entre o Vaticano e o Brasil sempre despertou atenção especial no Diario de Pernambuco. O jornal acompanhou, ao longo de seus 200 anos, as mensagens papais, as Campanhas da Fraternidade e as visitas apostólicas. Em 1980, quando João Paulo 2º visitou o Recife, as ruas foram tomadas por milhares de fiéis.
O Diario dedicou edições inteiras à cobertura da chegada do pontífice, que abençoou multidões e se encontrou com lideranças religiosas e sociais. O papa polonês foi canonizado em 2014
Bento 16, no início do século 21, enfrentou as crises internas de uma Igreja pressionada por denúncias e pela necessidade de transparência. Com Francisco, o primeiro papa latino-americano da história, a Igreja ganhou nova linguagem.
“O carisma e a proximidade do Papa Francisco influenciam diretamente a forma como os fiéis vivem a fé”, observa Frei Rinaldo. “Ele teve uma capacidade enorme de acolhimento e de enxergar as necessidades do mundo. Suas mensagens tocam as pessoas, porque mostram uma Igreja que se abre, que dialoga, sem perder sua essência.”
Em um de seus gestos mais simbólicos, durante a pandemia de Covid-19, o Papa Francisco apareceu sozinho na Praça de São Pedro, rezando pelo mundo. A cena, transmitida em tempo real, foi reproduzida pelo Diario de Pernambuco.
O Diario também acompanhou, desde os tempos do Império, o crescimento das romarias ao Morro da Conceição, a festa de Nossa Senhora do Carmo, padroeira do Recife, e a trajetória de figuras como Frei Damião de Bozzano, cuja morte em 1997 mobilizou multidões e gerou uma das maiores coberturas religiosas do jornal
Da mesma forma, as páginas do Diario registraram a trajetória de Dom Helder Câmara, o “Dom da Paz”, que transformou a Arquidiocese de Olinda e Recife em polo de resistência pacífica durante a ditadura militar. A cobertura do funeral de Dom Helder, em 1999, foi acompanhada por reportagens que destacaram seu legado de fé e compromisso com os pobres.
No século 21, a presença da religião no espaço público voltou a ser tema de debate. Partidos de base religiosa, influências teológicas em pautas legislativas e discussões sobre costumes e direitos tornaram-se parte da cobertura. De Dom Vital a Dom Helder, de João 23 a Leão 14, a liderança católica tem se reinventado, conciliando firmeza doutrinária e abertura pastoral. “A Igreja se adapta, mas não se trai”, diz Frei Rinaldo.