O Oscar mexicano

Luiz Otavio Cavalcanti
Ex-secretário da Fazenda e ex-secretário de Planejamento de Pernambuco

Publicado em: 28/02/2019 03:00 Atualizado em: 28/02/2019 08:21

Gosto de cinema. Se a pintura foi a arte do Renascimento, o cinema é a arte do século 20. E do século 21. Cinema é síntese de várias artes: fotografia, interpretação, música, ficção. Assisto à entrega do Oscar todo ano. Não a assisto apenas para ver que filme, que diretor, que atriz ou ator, foram vencedores. Não.

Assisto à entrega do Oscar para perceber, no conjunto das premiações, que valores sociais o cinema está assumindo. No plano do avanço da sociedade. E, por outro lado, para sentir, na emoção única, vivida por atores e atrizes, expressão de rara conquista. Me sensibiliza partilhar a realização humana.

Gostava de ver o ar autoconfiante de Jack Nicholson; a presença múltipla de Meryl Streep; o perfil profissional de Jane Fonda; o brilho de Al Pacino; os sonhos coloridos de Federico Fellini; a precisão de Steven Spielberg; e, agora, a visão social de Alfonso Cuaron.

Cinema expressa estado de espírito de um povo. Veja o cinema sueco. Ingmar Bergman. Só é possível assisti-lo agasalhado. Frio danado. Abertura enorme para o vazio do enigma humano. Mas com selo de qualidade.

Ou o cinema japonês. Kurosawa. Prepare-se para conviver por três horas com a ordem bélica do antigo Império do sol nascente. Batalhas, disputas mil. Mas com a assinatura de gênio.

Ou o cinema italiano. Depois do neorealismo de Rosselini, a neoalegria de Roberto Benigni. Acostume-se com o gestual. O italiano fala com as mãos. Quase em prece, nas ruas romanas, que são museus a céu aberto. Refletindo cenários ressurgentes. Mas com indomáveis artistas.

Ou o cinema americano. Que, depois da Segunda Guerra Mundial, virou emblema do soft power. A sedução vinha com o decote de Marilyn Monroe ou os olhos verdes de Ava Gardner. Com a elegância estridente de Clark Gable ou as nuances misteriosas de Humphrey Bogart. Uma concepção artística, esmerilhada em fino estilo, incentivada pelo sentimento de vitória e conquista. Um povo afortunado. Cujos ricaços sabem apadrinhar a cultura.

No Brasil, o cinema mostrou sua face mais viva no otimismo que permeou a era JK. Não era um otimismo vão. Era uma vivência real. Uma época assentada em fatos, em valores. A democracia era compartilhada por uma política de talentos que iam de Barbosa Lima Sobrinho a Afonso Arinos. A economia recebia investimentos para instalar a indústria automotiva.

Era como se os fados estivessem construindo uma moldura para que nascesse o Cinema Novo, inaugurado por Glauber Rocha. E crescesse a Bossa Nova, segredada por João Gilberto, Nara Leão e amplificada por Tom Jobim.

É isto que quero dizer: para fazer cinema, dos bons, é preciso ambiente propício. É preciso alma. É preciso que a nação esteja prenhe de criatividade. Esteja grávida de bonitezas.

É o que o México está fazendo. Mesmo acossado. O país consegue enfrentar os desafios políticos com institucionalidade. Sem populismos. Sem fundamentalismos.

Daí, surgem as condições facilitadoras para a produção da arte, da beleza. O Oscar mexicano é uma invenção de talento criativo. Cujo estímulo está no suor, na crença e no respeito dos mexicanos. A eles próprios.

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