Cínicos e incorrigíveis

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 05/02/2019 03:00 Atualizado em: 05/02/2019 08:23

O que não fazem os grandes privilegiados para manter os próprios privilégios... Como podem não perceber a enormidade de suas pretensões arrogantes, o absurdo das regalias que se dão? São cínicos e incorrigíveis. Bem entendidos, são incorrigíveis por iniciativa própria. Porque precisam ser corrigidos. E vão ser corrigidos. Mais cedo ou mais tarde. A força da sociedade vai corrigi-los. Não podem continuar assim, com tamanho despudor, tamanho menosprezo pela ética mais elementar, tamanho deboche relativamente a todo o povo brasileiro.

O último espetáculo desse cinismo nos deu o presidente da Câmara, o sr. Rodrigo Maia, empenhado na própria reeleição. Não apenas defendeu a dinheirama que liberou para os colegas no final de dezembro (17 milhões de reais, ao todo, coisa de um “pequeno” salário de R$ 33.700,00 para 505 deputados), a título de “auxílio-mudança”, mas ainda indignou-se, revoltado, ofendidíssimo,  contra a decisão judicial que negou o tal “auxílio-mudança” para... deputados que não se mudaram!! Deputados reeleitos, que não voltarão de Brasília para suas cidades de origem, nem irão destas para Brasília – porque lá já estão, num mandato, e vão continuar no outro. É o óbvio dos óbvios. Se, em si mesmo, o tal “auxílio-mudança” já é uma excrescência e um abuso – porque não há razão para financiar mudanças de parlamentares – a “mudança” de quem não se mudou é simplesmente absurda, é o supra-sumo do cinismo.

E o debochador sr. Maia entende que há uma ofensa à autonomia do Legislativo... Com a maior arrogância do mundo acusa um atentado à independência do Parlamento. O que significa que o ilustre sr. Maia – triste representante da velha política (que, sobretudo no Congresso, não é fácil sepultar) – entende que o Legislativo pode legislar em favor de si próprio sem quaisquer limitações, sem que suas decisões sejam fundamentadas e coerentes, sem que tenha de respeitar nem a Constituição, nem a ética, nem a razão. Se o Parlamento pode conceder “auxílio-mudança” a quem não se mudou nem se está mudando, pode qualquer coisa em seu próprio benefício – e o pobre do eleitor frustrado, o pobre do cidadão comum, o pobre do brasileiro honesto que paga impostos e sobrevive com 1/30 daquele “auxílio-mudança”, esses que fiquem assistindo ao espetáculo das elites e das castas, privilegiadas e presunçosas...

No mesmo sentido, muitos membros dessas castas privilegiadíssimas – os respeitáveis membros do Ministério Público – começaram a inventar outros auxílios para compensar o fim do auxílio moradia... São insaciáveis. São cínicos e incorrigíveis.

Ou o país ataca frontalmente essas indecências do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público, ou ainda demorará muito a reforma ética pela qual o brasileiro comum sonha e em quem votou fervorosamente. Não basta, para o Executivo, fazer sua parte, cortar despesas, suprimir milhares de cargos comissionados. Há que pensar no conjunto nacional. Está ele, assim, diante de difícil mas decisivo dilema: ou bem denuncia claramente essas indecências dos outros Poderes – e consegue o entusiasmo popular contra tantas indignidades;  ou, em nome de uma duvidosa governabilidade, as tolera, convive com elas, as respeita (mesmo contrafeito) – e, neste caso, perde o respeito e a credibilidade da nação.  

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