As 21 Lições de Yuval Harari

Maurício Rands (Twitter: @RandsMauricio), advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 26/11/2018 03:00 Atualizado em: 26/11/2018 11:48

Depois do estrondoso sucesso de Sapiens e Homo Deus, o professor da Universidade Hebraica de Jerusalém oferece-nos mais este repositório de saber e boa reflexão. Agora, concentra-se nos principais temas que desafiam a vida corrente no planeta. Não hesita em desnudar mitos que a muitos parecem inquestionáveis e eternos. Submete ideologias, religiões e ideias de nação ao crivo do conhecimento empírico atual. Sempre com a capacidade de contextualizá-las no imenso tempo histórico dos dois milhões de anos de existência dos humanos. 

Suas reflexões concentram-se em temas mais que atuais. Mudanças tecnológicas e seus impactos no trabalho, na liberdade e na igualdade. O risco da irrelevância de grandes contingentes sem acesso às conquistas da biotecnologia. Risco que pode contrapor uma pequena elite de ‘superhumanos’ empoderados por algoritmos e uma vasta maioria de ‘desempoderados’ sapiens. Os desafios políticos em temas como nacionalismo, religião, imigração e civilização. O impacto cultural das revoluções biotecnológica e infotecnológica em assuntos como guerra, terrorismo, religião e secularismo. Verdade, pós-verdade e ficção científica. E, por derradeiro, brinda-nos com excelentes insights sobre como a humanidade vai ser forçada a revolucionar os paradigmas de educação e de significação existencial em um ambiente dominado por algoritmos.

Todos esses temas, que integram suas ‘21 lições para o Século 21’, são aparentemente distantes entre si. Mas Harari consegue integrá-los fazendo uso de um único fio condutor. O do rechaço a duas ideias muito fortes. A primeira a do mito iluminista liberal do livre arbítrio. A de que podemos escolher e palmilhar nosso destino a partir de uma vontade formada exclusivamente por nossas razão e emoção. A segunda, a do determinismo, segundo o qual individualmente somos moldados por forças externas (para muitos uma história deificada). Ele submete essas duas ideias ao confronto com as recentes conquistas da biotecnologia e da infotecnologia (mormente a inteligência artificial). Para ele, nossos neurônios e suas sinapses, nossa composição genética e as influências culturais em que nos desenvolvemos são fatores que produzem os resultados únicos das nossas escolhas. Não haveria uma essência eterna de cada um de nós. Seríamos resultado da interação desses fatores. Com uma razoável dose de acaso.

O livre-arbítrio resultaria muito mais restrito do que supõe a crença iluminista liberal. Porque nossa estrutura genética contém algoritmos bioquímicos que provocam as nossas reações aos estímulos objetivos, inclusive culturais, do mundo externo. Nossa composição biológica e os estímulos desse mundo externo, em interação, podem produzir situações que nenhum ‘destino manifesto’ poderia descortinar. Por isso, as obras de ficção científica são tão importantes. Projetam cenários possíveis, mas que não se materializam inexoravelmente. Simplesmente porque a aventura humana não está sujeita a leis imutáveis, eternas e determinísticas. Todas as narrativas que imaginam existir um destino manifesto, para Harari, não passam de ficções criadas pela imaginação humana.

Aliás, como ele já expusera nos dois anteriores best-sellers, foi justamente essa capacidade humana de imaginar narrativas ficcionais que tornou possível o domínio do sapiens sobre todas as outras espécies animais. Pelo motivo de que a crença em ficções ou mitos viabiliza a cooperação em grande escala, essa vantagem que criamos em face dos outros animais. Os mitos criados a partir dessa imensa capacidade ficcional, aliás, também permitiram a constituição do poder nas diversas sociedades humanas. O domínio de líderes individuais ou de estamentos burocráticos sempre se fundamentou em mitos. Sejam os dos deuses, das nações, ou das ideologias. Uma reflexão interessante de Harari é a que contrapõe os mitos ficcionais - essenciais ao exercício do poder - à verdade. Para ele, o poder se assenta na ficção e não na verdade. Por isso, com as atuais tecnologias de comunicação estaríamos tão sujeitos às ficções dos populismos e nacionalismos que aprimoram a manipulação das narrativas que lhes conferem ascendência. As fake news são a exacerbação de algo que sempre esteve na base da formação do poder. 


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