Agora

Luiz Otavio Cavalcanti *
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Publicado em: 03/11/2018 03:00 Atualizado em:

Acordei inteiro. Desliguei o ar condicionado. Abri devagarinho a cortina. Como se estivesse afastando dúvidas. Tal como Cary Grant. Em Janela Indiscreta. Um sol discreto estimulava ação. Tomei banho. Comi meu sucrilho. São dois atos inaugurais, essenciais ao começo do dia. Sentir limpeza, sabonete. E tomar leite.
Peguei o carro e fui ao supermercado. Comprar outra essencialidade. Uma caixa de sorvete de chocolate. Tinha esquecido a noite passada quando voltei da faculdade. Meu suprimento incontornável para o feriado. Voltei e liguei o som. Dinah Washington. Nothing in the world.
De onde estou, no quarto, na Flor de Santana, vejo um pedaço do mundo. E penso no que disse André Malraux; “Meu Partido é a França”. E no que disse Albert Camus: “Minha pátria é a língua francesa”.
O que está por trás dessas afirmações é cultura. Cada povo tem sua cultura. Seus valores culturais. Seu estilo de ser. Seus fazeres. O que significava a perestroika de Gorbachev? E em Portugal? O catolicismo português foi oferta imerecida para Salazar?
Na Alemanha, o que se passou com o nacional socialismo? Hitler interpretava o som alemão? E os acordes de Beethoven? Quem já esteve na ópera de Berlim, para ouvir A Traviata, sentiu um ardor divino.
E o brasileiro? É diferente do comunista chinês? É igual ao capitalista americano? Este é o ponto. As diferenças. Somos iguais nos direitos. E diferentes nos modos de ser. O que, na prática, quer dizer: enxergue o outro. E o respeite.
Cultura brasileira. Este é o grande painel no qual os brasileiros vivem. E constroem o país. Cultura brasileira é origem e destino. Origem na mestiçagem que nos faz morenos, filhos de Darcy Ribeiro. Plásticos, resilientes, mediadores. Destino no perdão, na capacidade de esquecer. Compreender. E recomeçar. Compreender é uma forma de amar. Irmãos na generosidade de Betinho.
Para sermos grandes temos que ser compreensivos. E generosos. Como Portinari. Como Carlos Drummond de Andrade. Ser brasileiro é usar a compreensão como código de agir. Ser brasileiro é recortar a realidade num pedaço de sonho. Cada brasileiro tem seu sonho. Os sonhos dos brasileiros estão nas ruas, nas esquinas, no íntimo de cada um. E se renovam. Porque podem ser futuros adiados. E, nem por isso, são falências, são mortes, são eliminações do outro.
Como disse Carlos Pena Filho:
“Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída:
Entrar no acaso e amar o transitório”.   

* Ex-secretário de Planejamento e Urbanismo da Prefeitura do Recife, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco e ex-secretário de Planejamento de Pernambuco.


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