Fausto de Goethe e o pacto da "elite" brasileira

Márcia Ma. G. Alcoforado de Moraes
Professora Associado - Departamento de Economia/PIMES/PPGEC. Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.

Publicado em: 01/11/2018 09:00 Atualizado em:

Fausto I e II são poemas trágicos, baseados numa lenda medieval, considerados obras-primas do poeta alemão Goethe (1749-1832), que também foi cientista e estadista. O poema é dividido em duas partes, escritas em épocas diferentes, tendo ocupado quase 60 anos da vida do autor. Fausto era um conto muito difundido à época e tratava de um homem ilustrado que vende sua alma ao diabo, deixando-se seduzir pelo mal, em troca de sabedoria, na sua luta por evolução. Segundo Alan McLean, o drama de Goethe usa o personagem como base, para revelar as transformações que ocorrem, não só em cada indivíduo ao longo de sua jornada interior, mas também nas forças sociais coletivas no decorrer da história. Os brasileiros foram às urnas no dia 28 de outubro para definir sua eleição presidencial. O momento foi tratado como uma“encruzilhada histórica” e muito do ineditismo da situação explicado por termos saído de um terreno conhecido para um domínio insólito. Da polarização ideológica PSDB-PT, partidos com diferentes propostas, mas inseridos em um mesmo modelo de social-democracia, fomos ejetados a uma divergência bem mais extremada. Critérios morais e religiosos foram inseridos, sem que se aumentasse a clareza nas questões programáticas. Neste novo contexto, pouco se discutiu os reais problemas econômicos e sociais do país, sendo toda a energia canalizada para uma discussão ética, especialmente relacionada à corrupção, que trouxe ainda a reboque pautas extremamente conservadoras. Tudo isso ocorreu num ambiente permeado por uma alta rejeição ao atual sistema e ao jogo democrático. O sentimento antissistema aliou-se à pouca clareza dos programas e à ampliação da abrangência das discussões, e levou a “elite” econômica que vota, ou seja os eleitores de maior renda e escolaridade, a decidir, desde o 1º turno, pelo caminho de Fausto. O intelectual e acadêmico, protagonista de Goethe, ao fazer um pacto com Mefisto, recebe a permissão de deixar fluir suas emoções mais reprimidas, abdica de sua carreira acadêmica prenhe de esforços e entrega toda sua vida à malícia e à astúcia do diabo, que em troca, promete-lhe uma solução mágica para os seus muitos e complexos problemas. O objetivo imediato do herói seria não só o de ganhar iluminação, mas também experimentar a sua humanidade por inteiro, representada simbolicamente pelo amor de uma mulher. Goethe aponta assim, através do seu drama, sua convicção na necessidade do estabelecimento de um relacionamento adequado entre os aspectos femininos e masculinos para o desenvolvimento apropriado, seja da alma de um indivíduo ou de uma sociedade. Da mesma forma que o fez Fausto, nossa “elite” escolheu um Mefisto, seu alter-ego, representante de uma perspectiva masculina machista, e celebrou com ele um pacto macabro. Aspectos marcadamente regidos por princípios femininos foram rejeitados e associados a uma vilipendiada e distorcida visão de esquerda. Como Fausto, nossa “elite” projetou para fora de si o feminino, e colocou sob risco tais princípios : Democracia e reconhecimento de que sua consolidação requer igualdade de gêneros e representatividade das minorias; Integração de opostos potencializada através da garantia de liberdade de expressão e respeito às diferentes ideologias, partidos e crenças; Direitos humanos assegurados; Garantia de assistência aos vulneráveis e apoio à ressocialização de infratores, em especial menores; Combate a grupos de extermínio no enfrentamento à violência; Proteção da natureza e sustentabilidade ambiental; Incentivo à ciência e a expressões artísticas e culturais, entre outros. O essencial agora seria “mudar” mesmo às custas de valores tão fundamentais. Para McLean, é a evasiva de Fausto em relação ao seu lado feminino que o leva a um fim trágico na primeira parte do poema. A mulher desejada mata o próprio filho e tem a sua vida destruída. A jornada do herói, prossegue ao lado do diabo, que o engana até o fim. Morre, acreditando na concretização de seu plano de ter um paraíso na Terra, mas apenas encontra a salvação no espírito feminino, que retorna, intercede e livra sua alma do mal eterno. As palavras finais de Goethe precisarão ecoar em cada um de nós para não nos deixar esquecer da importância do princípio feminino no processo de redenção dos indivíduos e das sociedades: “Tudo o que morre e passa, É símbolo somente; O que se não atinge, Aqui temos presente; O mesmo indescritível, Se realiza aqui; O feminino eterno Atrai-nos para si.”

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