Lima Barreto enriquece a nossa criação literária
Raimundo Carrero
Escritor e jornalista
Publicado em: 29/10/2018 03:00 Atualizado em: 29/10/2018 20:43
Lima Barreto é uma das vertentes mais fortes da literatura brasileira, sobretudo no plano da criação literária. Mesmo assim, sofre a acusação de mau gosto, sobretudo por causa da incorreção gramatical. Um dos seus defensores mais ardorosos, no entanto, é o filólogo e diplomata Antônio Houaiss, respeitadíssimo no estudo sério da formação daquilo que chamamos de língua portuguesa no Brasil. Citado por Francisco de Assis Barbosa, diz Huoaiss: ‘ Lima Barreto não poderá ser reputado ‘incorreto’, do ponto de vista ‘estilístico’ – afinal de contas, o conceito de correção, na nossa gramática, mandarina e bizantina, pode apresentar tais e tantos planos de julgamento, que poucos, pouquíssimos escritores poderão enfrentar todas as sanções de todos os planos; e afinal de contas, ainda, o problema do ‘bom gosto’ é infinitamente flutuante, no tempo e no mesmo espaço e no mesmo tempo, não parecendo constituir uma questão modalmente estética’.
Assim é que o próprio Houaiss justifica o uso do cacófato em Recordações do escrivão Isaias Caminha: ‘Com efeito,, vida fora, senão esporadicamente, nunca sacrificará a ideia ou o torneio vocabular para evitar cacofonias ou cacófatos. E seu ponto de vista tem um apoio, não saberemos dizer se consciente, uma vez que raramente o cacófato é de fato, pois as duas sílabas colidentes são átonas, no caso concreto e na maioria dos casos.’
O cacófato a que o famoso filólogo se refere é o seguinte: ‘Revoltava-me que me obrigassem a me despender tanta força de vontade, tanta energia com coisas em que os outros pouca gastavam.’ Sim, este’ poucas gas’ – cagar cagar . Surpreendente na formação de outro verbo tradicionalmente e esteticamente de mau gosto: verbo cagar. Esteticamente, mas que estética? Parece-me, todavia, que o cacófato, mais do que revelar ideias mesmo cometendo erros, obedece à determinação de escandalizar, que é o projeto de Lima. Neste caso, o verbo aí tem a função de gritar contra as convenções, de propósito insultante. O narrador quer gritar, quer berrar. O cacófato transforma-se em qualidade literária porque cumpre exatamente o seu objetivo.
De fato, o escritor carioca queria escandalizar e, portanto, iniciou sua atividade literária justamente com Recordações que não era o seu romance principal. Ele costumava escrever e guardar e até chegar o momento exato da publicação. A estreia deveria ocorrer com Vida e Morte de M J de Gonzaga de Sá, mas o romancista considerava que era um livro muito calmo, muito tranquilo, muito bem-feito e ele queria escandalizar. Queria começar como um autor contundente, que afirmasse logo o seu projeto literário.
Assim é que o próprio Houaiss justifica o uso do cacófato em Recordações do escrivão Isaias Caminha: ‘Com efeito,, vida fora, senão esporadicamente, nunca sacrificará a ideia ou o torneio vocabular para evitar cacofonias ou cacófatos. E seu ponto de vista tem um apoio, não saberemos dizer se consciente, uma vez que raramente o cacófato é de fato, pois as duas sílabas colidentes são átonas, no caso concreto e na maioria dos casos.’
O cacófato a que o famoso filólogo se refere é o seguinte: ‘Revoltava-me que me obrigassem a me despender tanta força de vontade, tanta energia com coisas em que os outros pouca gastavam.’ Sim, este’ poucas gas’ – cagar cagar . Surpreendente na formação de outro verbo tradicionalmente e esteticamente de mau gosto: verbo cagar. Esteticamente, mas que estética? Parece-me, todavia, que o cacófato, mais do que revelar ideias mesmo cometendo erros, obedece à determinação de escandalizar, que é o projeto de Lima. Neste caso, o verbo aí tem a função de gritar contra as convenções, de propósito insultante. O narrador quer gritar, quer berrar. O cacófato transforma-se em qualidade literária porque cumpre exatamente o seu objetivo.
De fato, o escritor carioca queria escandalizar e, portanto, iniciou sua atividade literária justamente com Recordações que não era o seu romance principal. Ele costumava escrever e guardar e até chegar o momento exato da publicação. A estreia deveria ocorrer com Vida e Morte de M J de Gonzaga de Sá, mas o romancista considerava que era um livro muito calmo, muito tranquilo, muito bem-feito e ele queria escandalizar. Queria começar como um autor contundente, que afirmasse logo o seu projeto literário.