Já assistimos a esse espetáculo?

João Evangelista Tude de Melo Neto
Professor de Filosofia da UFRPE, doutor em Filosofia pela USP, tendo realizado estágio na Universidade de Reims (França). É membro do Grupo de Estudos Nietzsche.

Publicado em: 12/10/2018 03:00 Atualizado em: 12/10/2018 20:22

O personagem do político disciplinador que se apresenta como a solução para “colocar as coisas nos eixos” não é uma novidade na história do Brasil. Teatral e histriônico na fala e nos gestos, ele transforma o palanque num palco onde encena o papel do incorruptível e enérgico gestor disposto e capaz de moralizar o cenário político vigente. Ele também é messiânico, pois seu discurso se caracteriza, invariavelmente, por transmitir uma suposta mensagem “apolítica”, por meio da qual ele tenta vender-se como uma figura completamente distinta do político profissional e, portanto, único capaz de salvar o país. Geralmente, esse personagem só obtém sucesso de dimensão relevante em momentos de crise e de extrema insatisfação popular. Por isso, esse ele tem de ser um profundo conhecedor dos descontentamentos dos seus potenciais eleitores, uma vez que as paixões do desgosto e da decepção constituem a matéria a partir da qual ele vai elaborar seu roteiro político. Foi procedendo dessa maneira que Jânio Quadros conseguiu, em 1960, eleger-se presidente do Brasil. Durante a campanha, simulava desmaios de fome e de cansaço, dos quais se recompunha, imediatamente, ao tomar uma injeção que o fazia recuperar as forças despendidas na “luta pelo povo”. Vestia-se com um chamativo terno velho salpicado de “caspas” e esforçava-se para expressar um desleixo que, na verdade, era meticulosamente calculado. A intenção era construir a aparência de um homem devotado ao trabalho que não dispunha de tempo para detalhes estéticos: desejava ser identificado com o trabalhador simples e sofrido. Este espetáculo foi assaz atrativo para uma população que desacreditava na estrutura partidária em vigor naquele momento. Descontentes com baixos salários, alto custo de vida e desperdício de dinheiro público, os eleitores foram alvo fácil deste disciplinador que, em seu jingle de campanha, prometia combater a corrupção e “varrer a bandalheira” – anos mais tarde, ele mesmo seria acusado de corrupção. Jânio ganhou a eleição e o drama burlesco da campanha se transforma, durante o governo, numa comédia propriamente dita: moralista, Jânio proíbe o uso de biquínis, preocupa-se em regulamentar o tamanho dos maiôs, etc. Poucos meses depois de assumir o mandato, ele renuncia e é substituído pelo vice, João Goulart. A partir daí, acelera-se um processo que levaria à ditadura militar. A comédia se transforma, por fim, em tragédia! Em 1989, o personagem foi outro, mas o enredo era muito semelhante. Antes das eleições, existia um enorme descrédito no governo Sarney que se instalou por causa dos sucessivos fracassos em tentar controlar uma inflação galopante. Para salvar o país do caos, entra em cena um novo ator político, Fernando Collor de Mello, o “caçador de marajás”. Este encenava o papel do jovem incorruptível que prometia injetar sangue novo e modernidade numa cena política “ultrapassada”. Tinha pose de atleta, fazia cooper com desportistas famosos, pilotava jet ski e até caça da FAB! Uma de suas promessas era moralizar e acabar com privilégios do setor público. Durante a campanha, ajudou a reaflorar, sobretudo na classe média, um tradicional sentimento anticomunista. Foi favorecido por um considerável apoio da Rede Globo e venceu as eleições. Quase imediatamente depois de tomar posse, bloqueou as contas correntes e cadernetas de poupança – a classe média foi a mais atingida. Por fim, sofreu processo de impedimento por corrupção. Nas eleições atuais, mais um disciplinador sobe ao palco da “dramaturgia” política brasileira. O que há de comum entre o personagem atual e os anteriores? Ora, temos a mesma atitude histriônica que, desta vez, exala “testosterona” e promete fazer uso da disciplina militar para combater a corrupção dos “petralhas”. Verifica-se também que ele segue um roteiro semelhante ao dos seus antecessores, pois lança mão do descrédito e da decepção da população na classe política para se apresentar como sendo diferente de todos os demais políticos. Além disso, e sobretudo, faz uso do ressentimento popular para se capitalizar politicamente.  Isto é, se aproveita da sensação de impotência e da vontade de vingança de um povo maltratado pela criminalidade para se colocar como uma solução rápida e simplista: “bandido bom é bandido morto”. Ora, o título que anuncia esse “novo” drama consegue superar as expectativas da “vassourinha de Jânio” a da “caça aos marajás de Collor”, nestes assistimos a um malfadado enredo de aventura; agora, a trama será de horror.   

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