Uma confraria...de mulheres

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 25/09/2018 03:00 Atualizado em:

A palavra confraria surgiu no século 18, e indicava uma associação piedosa de leigos interessados pela religião. Originava-se de confrère, do latim medieval, confrater, isto é, ao lado do irmão, com o irmão sinônimo de irmandade, logo surgiram na Europa confrarias, sob a invocação da Virgem Maria, de vários santos da Igreja. Com o tempo, o sentido da palavra se estendeu: passou a significar, segundo o dicionário, conjunto de pessoas da mesma categoria ou mesma profissão. No Recife, desde alguns anos, existe uma confraria exitosa: acontecendo em reuniões mensais: a Confraria das Artes é composta sobretudo por mulheres (dois ou três homens fazem parte do grupo, atualmente com mais de 90 afiliadas), e já realizou 55 encontros. Na origem da fundação, um pequeno grupo de mulheres de origem, formação e faixa etária diversas, donas de casa, professoras, médicas, dentistas, psicanalistas, advogadas, apaixonadas por literatura, sob a batuta de Diana Bezerra de Sousa, filha de meu amigo falecido, Mozart Borges Bezerra. Escritor, Mozart transmitiu a Diana a paixão pela leitura, o senso de organização, simpatia e dedicação, que faz da Confraria um espaço de discussão, crescimento intelectual, solidariedade. Assim funciona a Confraria: o grupo sugere antecipadamente uma obra antiga ou recente, a ser lida e comentada. Ao cabo de um mês, reúnem-se as “confreiras” para compartilhar impressões de leitura, às vezes com a presença do autor, de especialista em Literatura, em cinema, como o professor e crítico literário Lourival Holanda, Perón Rios (doutorado em Mia Couto), Eric Laurence, cineasta várias vezes premiado. Nesses mais de quatro anos, o grupo leu, discutiu obras tão diferentes quanto os romances de Mia Couto, de Simone de Beauvoir, de Patrícia Tenório, de Herman Hesse, Thomas Mann, Anton Tchekov, Luzilá Gonçalves Ferreira, Ronaldo Correia de Brito, Clarice Lispector, para só citar alguns. Antes da discussão, apresentação da obra, biografia do autor, trechos de filmes, de fotos da cidade de nascimento e até de familiares, rigorosa pesquisa realizada pela própria Diana, por Sandra, por Kika Salazar, por outros membros da equipe, Bernadete, Telma, Marleide. Tudo feito com extraordinário profissionalismo, sem o tom professoral e com delicadeza. Semana passada apresentou-se o romance O tom azul, de Ana Maria César, membro da Academia Pernambucana de Letras, autora de vários livros de história recente, como A bala e a mitra (sobre o assassinato do bispo de Garanhuns por um padre), editado pela Bagaço, Último porto de Henrique Galvão, A faculdade sitiada, publicações da Cepe, este último sobre os acontecimentos de revolta estudantil em nossa Faculdade de Direito, início dos anos 60. Sobre o romance de Ana Maria, testemunhos de leitura assinalaram a beleza e o tom poético do texto, o desenho crítico, profundo, exato, de uma figura feminina, casada, comum, sensível, delicada, que sonha colorido, mas com exigência, buscando uma vida plena, como lembrou Elba Lins na reunião. Uma grande noite. (Nota: a Confraria se encontra mensalmente no salão de um restaurante na Avenida Barbosa, que acolhe o simpático grupo. O acesso ao grupo é gratuito, mas se exige: indicação por um membro da Confraria, amor pela leitura, modéstia e sorriso).

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