E no entanto é preciso cantar

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 11/09/2018 03:00 Atualizado em: 11/09/2018 00:45

Na década de sessenta (como está distante) a gente viveu momentos de euforia, de fé no país, de esperança, otimismo, uma espécie de fraternidade generalizada nos banhava. Brasília criada prometia uma era de progresso, a indústria nacional fabricava os grandes caminhões FNM , que o povo traduzia “fabricado por nós mesmos”, um orgulho, Vinicius e Tom inventavam novos modos de arrumar melodias, o mundo ouvia a bossa nova, encantado e atônito. Escutava-se não mais o amor infeliz dos sambas do genial Noel na voz fanhosa de Aracy de Almeida, mas”antes, eu sei que vou te amar por toda a minha vida. O Rio de janeiro era lindo, e o Morro da Babilônia servia de cenário a um colorido Orfeu do carnaval”premiado em Cannes. É bem verdade que ao lado disso não se esqueciam os barracos das favelas, mas a lua atravessando o zinco tapetava de estrelas o chão batido. Nara Leão, mais que talentosa e elegante no seu vestido assinado por Heim, retratava o malandro carioca, simpático, dando duro no baralho pra poder viver, mas não deixava de lembrar que, no morro, acender a vela era profissão. Encorajava: e no entanto é preciso cantar e logo: “A tristeza que a gente tem qualquer dia vai se acabar, todos vão sorrir”. Antes de escrever esta coluna, pensei em todas essas coisas, naqueles tempos em que a gente era feliz e nem sabia. Será que não sabia? Lemos os jornais, olhamos televisão, mulheres são mortas por homens outrora amados e amantes, o sangue escorre pelas ruas das cidades, adolescentes matam por um celular, pessoas importantes (?) na vida do país se atacam, se injuriam, não mais os homens cordiais do nosso historiador. Mas vem por aí um tempo de escolhas possíveis, de mudanças, “o Brasil é um país de surpresas” como escreveu outro dia um jornalista do Le Monde. A propósito, e o leitor vai dizer que esta colunista está misturando as coisas: no próximo sábado à tarde, na Academia Pernambucana de Letras, vamos ouvir alguns dos poetas do Pajeú, que abriga a maior porcentagem de poetas de uma região do Brasil. De São José do Egito e arredores. Vão dizer talvez, com um deles, que “o pais”é uma roseira, a pobreza é uma raiz, no trabalho é a primeira, na sorte a mais infeliz, A haste é a escadaria por onde a aristocracia sobe os degraus à vontade, deputados, senadores desta roseira são flores sem responsabilidade. “Porque no entanto é preciso cantar.” 

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