Projeto de sociedade niilista

Fernando Araújo
Advogado, professor, mestre e doutor em Direito. É membro efetivo da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas - APLJ

Publicado em: 27/06/2018 03:00 Atualizado em:

Os romanos, no início de sua civilização, habitavam o alto das colinas de Roma, para evitar a vargem insalubre, lugar imundo. Aos poucos, porém, foram descendo, limparam o vargedo e o tornaram mundo, isto é, espaço utilizável. Vindo a palavra mundo do verbo latino mundare, que significa limpar, arejar, purificar, é exatamente isso que precisamos fazer, do ponto de vista moral e ético, para termos uma melhor convivência. Sem muito esforço, vemos que estamos dando ênfase a projeto de sociedade niilista, que zomba de todos os valores, porque no íntimo dessa niilidade está a vontade absoluta de dominação de poucos sobre muitos. Claro que aqui falamos de niilismo no seu sentido normal, de negação, vazio, falta. De vidas desamparadas de princípios. Negação de valores superiores, muito embora o legislador Constituinte tenha expressado a consciência valorativa nacional no art 5º da Constituição. Todavia, a prática tem sido outra e, por isso, buscamos realmente um outro tipo de sociedade para viver, como a existência humana procura o ser, como o caminho procura a paisagem e a lei, a justiça. Cedo ou tarde, se não houver correção de rumos, a porteira da desigualdade arrebenta com tudo. Graves sinais estão vindo dos presídios. Onde sequer cabem mil, há cinco mil. E nesse passo já somos a terceira maior população carcerária do planeta. Aquelas mãos, acenando diante das luzes da televisão que noticiam as cotidianas rebeliões, assustam. Não são presídios, são antes, escolas do crime. Daí ter dito o ministro do STF Ricardo Lewandowski: “A expectativa de transformação das pessoas recolhidas aos presídios do país é certa: contudo, para pior, o que seguramente, se dará em detrimento de todos nós”. Informou o ministro que um preso custa em média R$ 2.500 e todos juntos consomem mais de 1.4 bilhão por mês. E concluiu: “ Não haverá paz social para ninguém se não fizermos da dignidade e do respeito, fora ou dentro de presídios, uma forma de atuação valorizada”(cf. FSP - 10-5-2015). Vem a pergunta que não quer calar: por que se prefere encarcerar mais a educar mais? Claro que não há, fora da educação, outro modo de se avaliar o grau de desenvolvimento moral, político e econômico de um povo, conquanto homens de mercado tenham preferência pelo PIB. Mas se esse parâmetro fosse ideal, estaria afastada a contradição de sermos a oitava economia do mundo mas o 79º IDH no ranking dos países filiados a ONU. De fato, o problema da educação não pode ser tratado de forma isolada. Ele se acha estreitamente relacionado a outros vividos na economia(repartição justa das riquezas, até porque “sem democracia econômica, a democracia política é um engodo, uma farsa”); na vida política(vida republicana); na ética(respeito às regras pré-estabelecidas). Portanto, educação é tarefa primária e essencial. E não pode se reduzir à mera transmissão de conhecimentos. Ela deve formar as pessoas e as preparar para se integrarem na vida social, promovendo o seu amadurecimento psicológico, intelectual, cultural, moral e espiritual. É preciso mudar a lógica dessa sociedade feita para poucos viverem bem. Sociedade utilitarista. Sofística, de alguns que usam a gramática, a retórica e a dialética de suas conveniências. Aliás, Sócrates comparava a sofística à arte da cozinha que procura satisfazer o paladar, mas não se preocupa se os alimentos são benéficos ao corpo. Tantas são as nossas vantagens em relação ao mundo dos outros animais. Temos mãos e somos eretos - dizia Anaxágoras. E, segundo Aristóteles, temos a função mais divina: a de entender e pensar. Então, por que muitos precisam viver como feras? Será que é demais reivindicar uma escola republicana e igual para todos? 

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