Tragédia social e urbanística

Roberto Ghione
Arquiteto e urbanista, Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento Pernambuco - IAB Pe
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Publicado em: 28/05/2018 09:00 Atualizado em:

Os acontecimentos recentes evidenciam a tragédia social e urbanística no Brasil. O incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, em São Paulo, desvenda a necessidade de moradia para mais de seis milhões de domicílios, a existência de um estoque de edificações ociosas nas áreas centrais das grandes cidades que resolveria parte dessa demanda e a ausência de uma política habitacional racional e coerente com a realidade urbana brasileira, além da perda de um valioso exemplar do patrimônio arquitetônico moderno.

O caso, espectacular por suas características, sintetiza uma rotina de tragédias que a população menos favorecida vivencia no dia a dia, habitando em áreas com riscos de deslizamento, alagamento, insalubridade, desabamento ou ambiental. Manifesta, também, o descaso oficial com o problema, contemplado na Constituição Federal, relativo ao direito à moradia e função social da propriedade.

Finalmente, apresenta a injustiça social que condena os pobres a morar nas periferias decadentes, enquanto os privilegiados proprietários de edificações ociosas no centro das cidades sobrevivem impunes, descumprindo a função social da propriedade, em vários casos, com muitos anos de dívida de Imposto Predial Territorial e Urbano -IPTU-, que restringe a capacidade financeira e operativa dos municípios para realizar ações de qualificação urbanística. Isso, considerando imóveis com o benefício de estar localizados em áreas com dotação completa de infraestrutura e serviços, custeada pela sociedade.

Os recentes programas habitacionais oficiais, como Minha Casa Minha Vida, pouca contribuição prestaram às cidades. A construção de casas subsidiadas segundo a lógica do mercado e para benefício das empreiteiras, estendeu irresponsavelmente as periferias e condenou seus moradores a habitar sem qualidade urbana.

Perante a atual omissão do Estado e ausência de opções, movimentos sociais têm estimulado a ocupação de edificações ociosas, que evidenciam o descaso público, as oportunidades possíveis de requalificação urbana com integração social, a salvaguarda do patrimônio edificado e as alternativas de solução do déficit habitacional sem precisar estender as periferias urbanas.

A ocupação de edifícios ociosos se apresenta como uma lógica sem retorno, baseada na luta de organizações que pretendem, com seriedade e solidariedade, incentivar a solução da tragédia social e urbanística que afunda o Brasil no subdesenvolvimento.

Quem ocupa edifícios abandonados não o faz com má-fe. É simples e pura necessidade, que instiga os poderes públicos a assumir o problema em benefício da sociedade, segundo manda a Constituição. O direito de propriedade, prevalente em sociedades de tradição patrimonialista como a brasileira, precisa ser equilibrado com o direito à moradia, que promove a convivência entre os cidadãos. O assunto é de política urbana, oportunidade de valorizar a cidade com integração social nos processos de revitalização das áreas centrais. O desafio está posto e os instrumentos existem. Depende de vontade e coragem política.

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