Editorial Saúde antes de mais nada

Publicado em: 19/04/2018 03:00 Atualizado em: 19/04/2018 08:52

A precariedade da saúde pública no país é inconteste. Filas imensas nos pronto-socorros, falta de leitos, de medicamentos e de profissionais, unidades de terapia intensiva com vagas insuficentes, equipamentos danificados ou em quantidade inferior à demanda e muitas outras dificuldades que comprometem a qualidade do serviço. Recorrer à rede pública é percorrer um calvário. A crise econômica, que levou o país à recessão nos últimos três anos, arrastou para as unidades do Estado 2,6 milhões de brasileiros que perderam capacidade de bancar os planos de saúde privados. Aumentou a sobrecarga e alargou o caos. As críticas dos usuários se repetem em todas as unidades da Federação.

O gerenciamento das unidades hospitalares públicas também é uma lástima. Com raríssimas exceções, a maioria dos administradores são profissionais indicados por padrinhos políticos, sem formação específica ou sem experiência suficiente para o cargo. Não só isso: com frequência, os escândalos por desvios dos recursos públicos destinados à saúde eclodem aqui e acolá, reforçando a ideia de que o Estado, por meio de critérios tortuosos, se revela incapaz de gerir adequadamente hospitais e centros de saúde. Erroneamente, culpa-se o Sistema Único de Saúde (SUS), construído na constituinte de 1987/1988, pelos desmantelos, quando os problemas decorrem da má gestão.

Na capital da República a situação é tão dramática quanto no restante do país. Mas, como em várias cidades, há exceções. Uma delas é o Hospital da Criança de Brasília (HCB), gerenciado pelo Instituto do Câncer Infantil e Pediatria (Icipe). A obra foi construída pela Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace), uma organização não-governamental, em área pública doada pelo governo do DF. Para manter o modelo e o padrão de atendimento aos pacientes e familiares, a Abrace criou o Icipe, uma organização social. O comitê gestor do Icipe é composto por médicos e outros profissionais não remunerados que fazem o controle social dos gastos.

Os modelos de atendimento aos doentes e de administração do Hospital da Criança de Brasília têm reconhecimento internacional, inclusive da Organização Mundial de Saúde, que pretende recomendá-los para outros países. Quase 100% dos usuários (98% de pacientes e familiares) aprovam e elogiam o trabalho do HCB, cujas portas estão abertas a crianças de outras unidades federadas. Hoje, o hospital corre o risco de ser fechado devido a uma ação movida pelo Ministério Público do DF e Territórios, que vê como irregular o fato de o Icipe ter sido escolhido sem que houvesse licitação pública.

Nenhum eventual problema no HCB está associado à corrupção ou ao desvio de dinheiro público. Mas se há questionamentos burocráticos que embaçam o funcionamento da instituição, então, que sejam contornados. Inconcebível é privar, principalmente, crianças de tratamento de elevado grau de excelência em razão de empecilhos burocráticos. Se tais correções são necessárias, que sejam feitas sem prejuízo aos pacientes. O modelo, legitimado pelos usuários, deve ser interiorizado em todo o país para que mais brasileiros recebam a atenção adequada médica e hospitalar adequada. Garante-se, assim, o cumprimento do mandamento constitucional que impõe ao poder público a responsabilidade de garantir atenção integral e de qualidade à saúde de todos os brasileiros.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.