Fala, memória! Agora é para sempre

Raimundo Carrero
raimundocarrero@gmail.com
Escritor e jornalista

Publicado em: 09/04/2018 09:00 Atualizado em:

Na rota das lembranças causadas pela leitura do artigo de Everaldo Norões sobre o livro Cangaceiros e Fanáticos, de Rui Facó, revivi os dias apaixonantes e solitários de 1963, aí pelos 14/15 anos, quando despertei decisivamente para o mundo, adolescente amadurecido, envolvido pelos acontecimentos políticos, leitor contumaz, rascunhando os primeiros textos.

Morava, então, com o meu irmão Geraldo, na rua Vicente Ferreira, na Torre, e estudava no Colégio Arquidiocesano, ali na rua do Príncipe, onde agora funciona o Colégio Padre Abranches, da Católica. Havia agitação política, sobretudo entre os alunos do Científico, ainda que comedidamente. Os ecos revolucionários entre discursos, exortações, em serviços de som espalhando vozes  agressivas vinham do colégio Nóbrega – berço da direita pernambucana – e desciam depois até a rua da Aurora, onde se instalava e se instala o  Colégio Estadual – berço da esquerda estadual – e debatiam aquilo que chamavam de Reformas de Base, tudo financiado pelo indecente Ibad.

Naquele momento agigantava-se a presença de Miguel Arraes, estabelecendo, de forma definitiva, sua liderança no Brasil, dando ao povo a verdadeira dimensão de como se forma um País, e de como é possível participar a cada instante. Li, por exemplo, muitos livros na biblioteca que ele fez instalarnna praça da Torre, com livros para o povo. Muitos livros, sim, muitos livros. Conheci ali o grande romance Assunção de Salviano, de Antônio Callado, então no nascente da carreira. Participei das primeiras reuniões nos bancos da praça com estudantes secundaristas dispostos a mudar o país pelas ideias. Sobretudo pelas ideias. E pela literatura.

Nesse clima revolucionário aprendi no livro de Facó que Cangaceiros e Fanáticos são termos pejorativos, criados para influenciar  negativamente, de forma a aproximá-los dos bandidos. Mesmo assim, os cangaceiros usavam o título, o que não acontece nem aconteceu com acontece com os fanáticos.

Um tempo de encantamento político, sem dúvida, mas também um tempo de encantamento literário. Aí está a raiz da minha vida, meu caminho de pedra, para usar a expressão de Milton Nascimento, na canção célebre. Aqui estou, portanto, tentando entender o que é uma vida quedividi, ainda, cim tantos personagens e tantas a histórias que fui criando e publicando, na revelação dos meus fantasmas.

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.