O Nordeste, a pobreza e a escassez d'água

João Recena
Engenheiro

Publicado em: 20/03/2018 03:00 Atualizado em: 20/03/2018 00:21

Há pouco tempo foram abertos ao público os arquivos do governo americano que guardavam os registros da viagem de Douglas North ao Brasil, em 1961. Em 1993 ele receberia o prêmio Nobel de Economia. North foi enviado ao Brasil para conferir a qualidade dos planos de Celso Furtado para o Nordeste. Naquela época o governo americano temia que aqui se repetisse uma revolução cubana. Uma conjuntura onde se sobressaiam cana de açúcar, pobreza e agitação política nos aproximavam da ilha do Caribe. Para surpresa geral, o foco da proposta de North agora revelada propunha para combater a pobreza a redução da população do Nordeste através da transferência de contingentes populacionais dali para regiões com terras mais férteis. Celso Furtado propôs isso também, mas priorizou outros itens, como a industrialização. O resto todo mundo sabe, o golpe de 64 aplacou a ansiedade americana e o povo do Nordeste encarregou-se de si próprio, tomou um pau-de-arara e partiu para São Paulo.

Quase sessenta anos depois, o Nordeste é outro. Conta com indústrias de porte e alguma infraestrutura moderna, como é o caso da Transposição. Não se morre mais de seca. Mas a região continua de longe a mais pobre do Brasil. Tem 28% da população do país e somente 14% do PIB. Nosso PIB per capita é portanto a metade da média brasileira. E o maior desafio ainda é o Semiárido. Nesse meio tempo, ali tentou-se de tudo, e o que deu mais certo foi a irrigação. O grande exemplo é o polo Petrolina-Juazeiro. O problema agora é que o Rio São Francisco resolveu nos dar um susto. O reservatório de Sobradinho, um dos maiores do mundo, quase secou e o rio está com a vazão mais baixa desde que foi regularizado. As análises mostram que desde 1986 as chuvas vêm decrescendo na bacia, o que se agravou a partir de 2008.

E durante esta semana, em que se realiza em Brasília o 8º Fórum Mundial da Água, a escassez está na ordem do dia. No que nos concerne, como já se disse, o desafio é o Semiárido, onde chove pouco e irregularmente. A questão lida com as crenças mais caras aos sertanejos. Desde os tempos de Antônio Conselheiro que se aguarda o dia em que “o Sertão vai virar mar” e os descendentes de gerações e gerações fustigadas pela seca, por fim, experimentarão a fartura em sua própria terra. Infelizmente, porém, nada leva a crer que esse sonho um dia vá se realizar. É muito caro trazer água de longe para irrigar o Nordeste. A água aqui disponível terá que ser conservada e usada com toda parcimônia. Temos que aperfeiçoar modelos produtivos que associem a exploração de pequenas manchas de terras férteis com a disponibilidade de dotações d'água muito reduzidas. Criar caprinos e ovinos, aproveitar o potencial de plantas rústicas como a palma e prover assistência técnica parecem ser algumas das soluções. Em algum ponto situado a meio caminho entre a diáspora proposta por North e o sonho legado pelo Conselheiro, parece estar a razão. Nem essa terra aguenta tanta gente tentando se safar com a agricultura de sequeiro, nem é possível promover a fartura d'água. Cabe-nos dar prioridade ao tema e honrar a tradição de planejadores como Lebret e Furtado. Água cada vez vai ser mais escassa, e quem não se preocupar com ela verá.

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