Editorial A verdadeira autonomia do BC

Publicado em: 26/02/2018 03:00 Atualizado em: 26/02/2018 08:40

É natural que o governo queira criar uma agenda positiva para a economia depois do enterro da reforma da Previdência Social. Para tanto, apresentou um pacote de 15 medidas com a promessa de incrementar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Mas, como manda o bom senso, nenhuma das propostas deve ser conduzida no afogadilho, sob o risco de a emenda sair pior do que o soneto. Essa ressalva vale, sobretudo, para o projeto que prevê a autonomia operacional do Banco Central. Hoje, não há lei definindo a independência da autoridade monetária. A autonomia é concedida pelo presidente da República. E, ressalte-se, vem funcionando muito bem na maior parte do tempo.

O grande temor do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e do presidente do BC, Ilan Goldfajn, é de que o Congresso acabe distorcendo as funções da autoridade monetária. Pelo projeto que está sendo elaborado pelo senador Romero Jucá (MDB-RR), além da meta de inflação, o BC também teria que perseguir uma meta de emprego. O duplo mandato tenderia a provocar ruídos, pois, num momento de desemprego alto, poderia haver pressões para que a instituição fosse mais complacente em relação ao custo de vida. Atualmente, quando precisa botar a inflação na meta, o Banco Central é obrigado a aumentar a taxa básica de juros (Selic), o que desaquece a economia e resulta em mais demissões.

Os favoráveis ao mandato duplo do BC dizem que não há o que temer, uma vez que o Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos Estados Unidos, opera com esse modelo. Lá, porém, o Fed tem total liberdade para arbitrar quando os objetivos forem conflitantes e sempre priorizou o combate à inflação. Aqui, não se sabe até que ponto o BC conseguiria fazer valer a sua posição. Pior: haveria a possibilidade de judicialização da política monetária. Sindicatos poderiam recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para exigir que, num quadro de desemprego, os juros fossem reduzidos, mesmo que a inflação subisse.

Não se pode esquecer que a autonomia do BC está em discussão há pelo menos três décadas. Mas nenhum dos últimos presidentes teve coragem de levar o tema adiante. Michel Temer está disposto a definir mandatos para os diretores da instituição, que seriam intercalados, de forma a não coincidirem com a troca de presidente da República. Se conseguir aprovar tal proposta, será um avanço e tanto, pois os dirigentes da autoridade monetária ficariam imunes às pressões políticas. Mas quanto às missões do BC, todo o cuidado é pouco. Não à toa, o emedebista pediu mais explicações sobre o projeto de Jucá. Ele sabe que a lei que tratará da autonomia do banco precisa ser muito bem definida.

O Banco Central foi criado no fim de 1964 por meio da Lei 4.595, que fixou mandatos de sete anos para sete membros do Conselho Monetário Nacional (CMN) escolhidos na sociedade e aprovados pelo Senado. Deles, quatro eram destacados para ocupar a presidência e a diretoria do BC. Essa lei, no entanto, durou pouco. Quando Delfim Netto assumiu o Ministério da Fazenda, no governo de Arthur Costa e Silva, o primeiro presidente do banco, Dênio Nogueira, foi exonerado mesmo tendo mandato a cumprir. Em 1974, Mário Henrique Simonsen tratou de enterrar a independência do BC ao transferir, pela Lei 6.405, a escolha dos diretores da instituição para o presidente da República.

Esse passado só reforça o quanto a autonomia do BC deve ser muito bem discutida. Os economistas não têm dúvidas de que, com autonomia para controlar e inflação e com mandatos fixos para diretores, o Banco Central daria importante contribuição para reduzir as incertezas em períodos eleitorais, diminuir as taxas de juros de longo prazo e dar mais estabilidade à economia. Disso o Congresso não pode esquecer nunca.

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